quinta-feira, 19 de maio de 2011

Cecília



Cecília fora abandonada no altar. Suas mãos estavam empregnadas do perfume das rosas recém cortadas naquela manhã de casamento. Eram meados de Março e o outono dava os primeiros indícios de sua chegada. Naquele tempo haviam incêndios quase todos os dias nas casas, devido aos descuidos das moças enamoradas que esqueciam as panelas no fogão.  Depois do chá da tarde, as moças iam caminhando até a Rua dos Suspiros e ficavam encostadas nas paredes das casas, suspirando e esperando serem convidadas para passear acompanhadas pelas ruas de Sacramento. 
Foram necessários 4.872 suspiros até que Guilherme tomasse coragem para pedir que Cecília saísse com ele. E fora necessária uma garrafa e meia de bebida para que ele a pedisse em casamento. E ela, até meio contrariada, aceitou. Cecília era apaixonada por Guilherme, mas o modo como fizera o pedido a fez pensar duas vezes. Mas sabia que eram tempos difíceis para o amor, e ao deitar na sua cama a noite se deparou com a foto dele em sua cabeceira, e então se viu plena de lembranças, esquecendo, pelo menos momentaneamente, dos infortúnios do amor. E por isso decidiu aceitar o pedido, respondendo na manhã seguinte.
Mas ele a havia abandonado no altar.
A ela não teria ocorrido que ele talvez pudesse ter sido vítima de uma emboscada que nem era para ele, e que naquela época, as notícias demoravam a chegar. Na manhã do dia de seu casamento Guilherme havia acordado tarde e acabou por derramar café no seu paletó. Decidiu então, pegar o paletó do irmão que estava esticado na cadeira da sala, o qual tinha deixado para arejar depois da noite de farra. Seu irmão havia se envolvido com política e já era considerado ameaça pelo governo. Sua morte havia sido programada para o dia anterior, mas fora adiada por conta de um mal estar sofrido pelo assassino enquanto o perseguia. No caminho para a igreja Gulherme fora confundido com o irmão, por conta de seu paletó, levando nada menos que 5 tiros que lhe abriram o peito. Cecília nada sabía.

No momento, o que lhe restava era apenas o perfume das rosas recém cortadas empregnado em suas mãos.

Figura: Chagall