segunda-feira, 30 de maio de 2011

Resposta a Adélia Prado

"O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,

com seus olhos cediços,

põe caco de vidro no muro

para o amor desistir.

O amor usa o correio,

o correio trapaceia,

a carta não chega,

o amor fica sem saber se é ou não é.

O amor pega o cavalo,

desembarca do trem,

chega na porta cansado

de tanto caminhar a pé.

Fala a palavra açucena,

pede água, bebe café,

dorme na sua presença,

chupa bala de hortelã.

Tudo manha, truque, engenho:

é descuidar, o amor te pega,

te come, te molha todo.

Mas água o amor não é." Adélia Prado

Com certeza não era o que tinha imaginado porque sempre imaginou o amor pintado de sangue, esticado de vermelho.
Talvez não fosse assim, simplesmente, e sua farsa teria se tornado realidade.
E era sim água, não sangue.

A um amigo...

Ele partiu de madrugada, quando todos os outros da casa já estavam dormindo. Silenciosamente deu adeus a cada um deles, apenas sussurando uma de suas antigas piadas em seus ouvidos. E a casa inteira caiu na gargalhada, por volta da meia-noite.

sábado, 28 de maio de 2011

Poetas de rua

"E sempre o olho certo tem o olhar pro lado errado"

Fred Roberty

Poetas de rua

Ela é uma curva para outro mundo
Um lábio para outro mundo
Eu sempre quis ir.
Fui por uma rua outra, teve um dia
Foi dar numa casinha atrás do outro mundo
Ela estava sentada na porta
A minha espera com um lábio
Que vai dar no outro mundo
Meu deus será que eu tenho mesmo que ir
                                                                 pro outro mundo
Ele disse: Vai meu filho, vai pro outro mundo
Lá ela está, a sua espera com uma curva que
vai dar
no outro mundo

Fred Roberty

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sobre o Futuro

"No futuro eu estarei aberto para o futuro"
Ney Matogrosso

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Carta para mim (acordes de sangue)

Você vai fingir que é leve.
Vai fingir que desconhece o amor.
Que nem nunca ouviu coisa parecida.
Você vai dobrar sua raiva e  esticar a calma sobre a mesa,
sobre a cama,
a mesma que um dia guardou teus sonhos, teus segredos.
Você vai encobrir tudo com um veludo negro, para não esbarrar nem cair sobre os teus pertences.
No final da tarde você vai chegar em casa e desabar sobre o veludo,
como é de costume, como você faz todas as tardes.
Mas na manhã seguinte, de cara limpa, você trará o esboço de um sorriso. 
E vai dançar a música que escolheram para tí.
E vai dizer que é dádiva.
Vai dizer que é leve,
Que é sem dor.

sábado, 21 de maio de 2011

Os rios

                                São os barcos que dão o sentido aos rios.
Figura: Miró

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Grande Sertão Veredas - Guimarães Rosa


-Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. [...] O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantaneamente - depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucaia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde um criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucuia vem dos montões oestes.Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá [...]. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda parte.

Figura: Poty

O jogo da amarelinha - Capítulo 68

"No mesmo instante em que ele lhe amalava o noema, ela lhe dava com o clêmiso e ambos caíam em hidromurias, em abanios selvagens, em sústalos exasperantes. De cada vez que procurava relamar as incopelusas, ele emaranhava-se num grimado queixoso e tinha de envulsionar-se de cara para o nóvalo, sentindo como se, pouco a pouco, as arnilhas se espechunassem, se fossem apeltronando, reduplimindo, até ficar estendido como o trimalciato de ergomanina no qual se tivesse deixado cair umas filulas de cariacôncia. E, apesar disso, aquilo era apenas o princípio, pois em dado momento, ele tordulava-se os hurgálios, consentindo que ele aproximasse suavemente os seus orfelunios. Logo que se entreplumavam, algo como um ulucórdio os encrestoriava, os extrajustava e paramovia, dando-se, de repente, o clinón, a esterfurosa convulcante das mátricas, a jadeolante embocapluvia do órgumio, os esprêmios do merpasmo numa sobremítica agopausa. Evohé! Evohé! Volposados na crista do murélio, sentiam-se balparamar, perlinos e marulos. Tremia o troque, as marioplumas era vencidas, e tudo se revolvirava num profundo pínice, em niolamas argutendidas gasas, em carínias quase cruéis que os ordopenavam até o limíte das gunfias".

Júlio Cortázar

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Cecília



Cecília fora abandonada no altar. Suas mãos estavam empregnadas do perfume das rosas recém cortadas naquela manhã de casamento. Eram meados de Março e o outono dava os primeiros indícios de sua chegada. Naquele tempo haviam incêndios quase todos os dias nas casas, devido aos descuidos das moças enamoradas que esqueciam as panelas no fogão.  Depois do chá da tarde, as moças iam caminhando até a Rua dos Suspiros e ficavam encostadas nas paredes das casas, suspirando e esperando serem convidadas para passear acompanhadas pelas ruas de Sacramento. 
Foram necessários 4.872 suspiros até que Guilherme tomasse coragem para pedir que Cecília saísse com ele. E fora necessária uma garrafa e meia de bebida para que ele a pedisse em casamento. E ela, até meio contrariada, aceitou. Cecília era apaixonada por Guilherme, mas o modo como fizera o pedido a fez pensar duas vezes. Mas sabia que eram tempos difíceis para o amor, e ao deitar na sua cama a noite se deparou com a foto dele em sua cabeceira, e então se viu plena de lembranças, esquecendo, pelo menos momentaneamente, dos infortúnios do amor. E por isso decidiu aceitar o pedido, respondendo na manhã seguinte.
Mas ele a havia abandonado no altar.
A ela não teria ocorrido que ele talvez pudesse ter sido vítima de uma emboscada que nem era para ele, e que naquela época, as notícias demoravam a chegar. Na manhã do dia de seu casamento Guilherme havia acordado tarde e acabou por derramar café no seu paletó. Decidiu então, pegar o paletó do irmão que estava esticado na cadeira da sala, o qual tinha deixado para arejar depois da noite de farra. Seu irmão havia se envolvido com política e já era considerado ameaça pelo governo. Sua morte havia sido programada para o dia anterior, mas fora adiada por conta de um mal estar sofrido pelo assassino enquanto o perseguia. No caminho para a igreja Gulherme fora confundido com o irmão, por conta de seu paletó, levando nada menos que 5 tiros que lhe abriram o peito. Cecília nada sabía.

No momento, o que lhe restava era apenas o perfume das rosas recém cortadas empregnado em suas mãos.

Figura: Chagall

quarta-feira, 18 de maio de 2011

terça-feira, 17 de maio de 2011

Persona

"Mas veja, a a realidade não coopera. Seu esconderijo não é a prova d'água.
A vida entra em tudo"
Ingmar Bergman

Lagartas-de-fogo

A mãe havia sido bem clara dizendo que não queria mais ver o menino brincando com fogo. Mas não havia dito nada sobre as lagartas-de-fogo. Gostava de brincar em um parquinho abandonado próximo a escola, lá ele encontrava pequenos insetos, lagartas que deixavam um rastro de fios finíssimos por onde passavam. Elas eram pequenas, quase do tamanho de seus dedos de menino. Haviam outras lagartas por ali, umas com cabeça preta , parecida a um grão, e o corpo revestido de um veludo verde, vermelho e preto xadrez, o menino dizia que aquela era a rainha das lagartas. As meninas da escola corriam assustadas, diziam que o menino estava brincando com fogo: "Claro que não", dizia ele, "Elas não fazem nada", e pegava-as na palma da mão demonstrando sua sabedoria infantil acerca da natureza.
Um dia o menino estava deitado no parque contando o número de folhas que havia numa árvore, e de repente viu uma lagarta diferente. Ela era de um verde vivo, quase fluorescente, com pêlos que soltavam de seu corpo como ramos de um pequeno arbusto. O menino não hesitou em querer pega-la na mão. Sentiu sua pele queimar quando a encostou, soltou a lagarta e levou a mão aos lábios para conter a dor. Mas era tarde. Essa fora a última vez que a viu.

Celia Paul

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Tia Landa

(Outubro, 2010)

Tia Landa não tinha pernas. A causa era a poliomilite, mas aos demais interessados , tia Landa dizia que as tinha perdido no pôquer, ou na guerra, e que por conta disso tinha ganhado duas medalhas: uma para cada perna.
Tia Landa usava pernas postiças feitas de imbuia, mas participava de todas as festas e bailes da cidade, dançando até o dia terminar.
Eram seis irmãs: Alice, Helena, Oliva, Carmita, Cizira e tia Landa.
As sextas-feiras os Rissetti jogavam cartas, Alice era a quem sempre reclamava:
- Vamos Zanoto! Jogue logo essas cartas , antes que eu perca minha paciência!
Alice acabou se casando com Zanoto.
Perguntei se a tia Landa havia se casado também:
-Tia Landa? Como? Ela não poderia cuidar de uma casa.
Ela tinha ainda o braço esquerdo inteiro afetado pela doença, e bordava com uma mão só.

Tia Landa tinha vocação para ser só, e portanto nunca pode se casar, nem mesmo ter um amor para chamá-lo de seu.
Ela conheceu o amor por outros meios, outras formas, outras partes.

domingo, 15 de maio de 2011

Tia Nerina

Naquele tempo as senhoras ocupavam suas tardes cozinhando em fogões a lenha e fornos construídos em suas casas.  Faziam bolos e tortas, tantos, que já não se sabia com que recheio preencher os bolos, nem que cobertura dar a eles. Tia Nerina era dessas. Doceira de mão cheia, também, pudera, havia recebido de herança o livro de receitas da família, o mesmo que lhe fizera provar todas elas, e se dedicar minuciosamente a seus preparos. Tia Nerina era enorme, e sua maior preocupação era que não coubesse em seu próprio caixão na hora da morte. Desde que se dera conta de sua morte, Tia Nerina havia sido invadida pela idéia de que não poderia ser enterrada por causa de seu tamanho, e que se não pudesse descer a 3 metros da terra, não poderia subir ao céus. Dizia: “Se me jogar na frente de um carro, ele não irá me matar. Mas me jogar na frente de um ônibus, ah! Isso eu não poderia!”. Ninguém levava a sério as considerações de Tia Nerina a respeito de sua própria morte. Até que um dia Tia Nerina se jogou na linha do trem.

Starry Night - Van Gogh

sábado, 14 de maio de 2011

Não tenho costumes de pedra. Se acaso me disfarço de silêncio é para enaltecer as palavras. Meus eufemismos hiperbolizam. Minhas metáforas esclarecem.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Dos teatros

Um teatro abandonado é um espanto, um ensaio dentro dele, um arrepio.

Arnaldo Antunes

Borboletas de Koch

Dizem que cuspo sangue e que logo morrerei. Não! Não! São borboletas vermelhas. Vocês verão.

Eu via o meu burro mascar margaridas e presumia que essa placidez de vida, essa serenidade de espírito que lhe ultrapassava os olhos, era obra das cândidas flores. Um dia, quis comer, como ele, uma margarida. Estendi a mão e, nesse momento, pousou na flor uma borboleta tão branca como ela. Eu disse para mim: por que não também? E a levei aos lábios. É preferível, posso dizer, vê-las no ar. Têm um sabor que é tanto de óleo quanto de ervas ruminadas. Tal, pelo menos, era o gosto dessa borboleta.

A segunda me deixou só cócegas insípidas na garganta, pois se introduziu ela mesma, em um vôo, presumi eu, suicida, atrás dos restos da amada, a deglutida por mim. A terceira, como a segunda (o segundo, deveria dizer, acredito eu), aproveitou a minha boca aberta, não já pelo sono da sesta sobre o pasto, mas sim pelo meu modo um tanto estúpido de contemplar o trabalho das formigas, as quais, por sorte, não voam, e, as que o fazem, não voam alto.

A terceira, estou persuadido, há de ter tido também propósitos suicidas, como é próprio do caráter romântico presumível em uma borboleta. Pode-se calcular seu amor pelo segundo e, da mesma forma, podem-se imaginar seus poderes de sedução, capazes, como foram, de fazer cair no esquecimento a primeira, a única, devo esclarecer, submergida - morta, ademais - por minha culpa direta. Pode-se aceitar, igualmente, que a intimidade forçada em meu interior há de ter facilitado os propósitos da segunda das minhas habitantes.

Não posso compreender, em compensação, por que o casal, tão novo e tão disposto às loucas ações, como bem ficou provado, decidiu permanecer dentro, sem que eu lhe estorvasse a saída, com a minha boca aberta, às vezes involuntariamente, outras de forma deliberada. Mas, em detrimento do estômago pobre e desabrido que me deu a natureza, hei de declarar que não quiseram viver nele por muito tempo. Mudaram-se para o coração, mais reduzido, talvez, porém com as comodidades de um lar moderno, estando dividido em quatro apartamentos ou cômodos, se assim se prefere chamá-los. Isto, sem dúvida, aplanou inconvenientes quando o casal começou a se rodear de pequeninos.

Ali viveram, sem que na sua condição de inquilinos gratuitos pudessem se queixar do dono da casa, pois, ao fazê-lo, pecariam inadequadamente por ingratidão.

Ali estiveram elas até que as filhas cresceram e, como vocês compreenderão, desejaram, com sua inexperiência, que até nas borboletas põe asas, voar além. Além era fora do meu coração e do meu corpo.

Assim é que começaram a aparecer estas borboletas tingidas no fundo do meu coração, que vocês, equivocadamente, chamam de cusparadas de sangue. Como vêem, não o são, sendo, puramente, borboletas vermelhas do meu vermelho sangue. Se, em vez de voar, como deveriam fazer por ser borboletas, caem pesadamente no solo, como coágulos que vocês dizem que são, é só porque nasceram e se desenvolveram na escuridão e, conseqüentemente, são cegas, as pobrezinhas.

Antonio di Benedetto

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Ninguém escreve ao coronel

"[...] Sentado junto ao fogão, em atitude de confiada e inocente expectativa enquanto o café  não fervia o coronel sentiu como se brotassem nas tripas cogumelos e lírios malignos. Era outubro. Manhã difícil de vencer , esta , mesmo para o homem que êle era, sobrevivente de tantas manhãs. Havia cinquenta e seis anos que terminara a última guerra civil, e o coronel nada fazia além de esperar. Outubro era uma das raras coisas que chegavam. "

Gabriel García Márquez

Figura: Hopper

domingo, 8 de maio de 2011

Os Anéis de Saturno

Os guarda-chuvas perdidos.. aonde vão parar Os guarda-chuvas perdidos? E os botões que se desprenderam? E as pastas de papéis, os estojos de pince-nez, as maletas esquecidas nas gares, as dentaduras postiças, os pacotes de compras, os lenços com pequenas economias, aonde vão parar todos esses objetos heteróclitos e tristes? Não sabes? Vão parar nos anéis de Saturno, são eles que formam, eternamente girando, os estranhos anéis desse planeta misterioso e amigo.”
Mário Quintana

Pois eu digo que é melhor que não saibamos aonde as coisas perdidas vão parar, nem a quantas anda a maré da boa fortuna ou da desventura, que ela venha e simplesmente nos engula com seu paladar amargo, aquele que reina no hálito lendário das moiras que cortam e medem os fios do nosso tempo, nós os fantoches, tendo a ilusão das escolhas, por que mesmo sendo erradas não são nossas. Nem os comandantes dos grandes exércitos, nem os reis foram obedecidos, porque de fato não comandaram nada, pois há os agravantes, os empecilhos, os semáforos, os contratos, as leis jurídicas, químicas, físicas, na lógica de que um evento qualquer , número 1: x determina o evento número 2: y, que determina o terceiro da seqüência e assim por diante, levando todas as coisas a serem historicamente desenhadas pelo passeio simétrico do pêndulo das horas, verdugo admirável, ou pelo passeio circular dos seus ponteiros, e eu lhes pergunto agora, onde estará então o lugar para nossas escolhas? E você me responderá que não importa, e que há uma ordem no coração das coisas, mas que esta ordem, é uma ordem de sangue.  

Figura: Kandinski

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Alice no País do Espelho

"É preciso estar sempre correndo para nunca sair do lugar"

Lewis Carroll

Persona


"Persona" do diretor Ingmar Berman levou a sétima arte ao seu estado mais perfeito.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Francisco Alvim - Coluna

Poço azul ar azul vida azul
a alminha saiu da fazenda dos morcegos
e subiu o córrego
se divertindo com os dois namorados
Morcegos não pousam em narizes
de moças bonitas e medrosas
que atravessam as noites
debaixo das cobertas
só com o nariz de fora
A morte existe? A treva existe?
Não, não existe
O que existe é a luz alucinada nas árvores e na água
na pele dela
dentro da qual ele já viaja
nas costas de uma prainha
rolado como um seixo de rio
verde como a encosta mole dos montes
azul como a névoa azul do céu azul
viaja
tão à vontade e certo de que
as brancas colunas da Acrópole
quando vistas contra o céu azul
não seriam tão belas quanto o dorso
dela

(Pacote de Poesia)

quarta-feira, 4 de maio de 2011


Todos os reis acordarão daqui a mil anos. Exigirão suas terras de volta, seus tesouros, seus súditos. Exigirão cadeiras de ouro, talheres de prata, cetros, castiçais, tapetes sob seus pés, lençóis bordados a mão.  E ninguém saberá o que fazer mesmo querendo obedecer. E então, haverão  guerras até que não sobre ninguém vivo. E os reis retornarão aos seus túmulos módicos, seus caixões vazios.  

figura: Kandinsky
(Der Blaue Reiter)

terça-feira, 3 de maio de 2011

O vento corria pelas folhas, as densas coriáceas, as frágeis membranáceas, elípticas, oblongas, palmadas, linguladas, paralelinérvias, hifódromas, orbiculares, balançando-as em vibrações físicas ou arrancando-as dos galhos das árvores, fazendo-as deslizar no ar e obedecer a lei da gravidade. Em seu fremir, o vento compunha pequenas canções que pertenciam a tempos remotos e que eram melhor escutadas pelos insetos, os quais, dizem, se ocupavam mais com seus encantos.  

figura: Gustav Klimt

domingo, 1 de maio de 2011

Cecília Meireles

Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica teus olhos para verem mais.
Multiplica teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro.
Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.

Delírio em Terra Quente

"É preciso endurecer, sem jamais perder a ternura" Ernesto Che Guevara

Discurso sobre o porque eu não procurei teus olhos naquela noite

(Agosto, 2010)

Você não sabe o que é acordar de um pesadelo e não saber se ele é real. E isso me ocorreu tantas vezes...
Não, eu mal conseguia dormir, se dormia era uma questão de inconsciência, dormia porque o cansaço era maior, e só. Imaginava aqueles olhos no escuro e apagava, não sabia o que aconteceria depois. Era como um livro que eu não tivesse terminado de ler, e que não tornaria a lê-lo nunca mais. 
E então eu procurava teus olhos, não sem nem sentir culpa nisso, procurava para anular outros olhos, aqueles olhos no escuro. E então eu pensava neles, nos teus olhos, antes de dormir, antes que pudesse dar a chance de lembrar dos outros olhos, pra poder sonhar com eles, e não ter aquele pesadelo, aquele mesmo pesadelo novamente. 
Mas eu não podia procurar teus olhos sempre, nem devia, por uma questão de princípios, não era justo que você tivesse que me doar, me emprestar, teus olhos todas as vezes que eu precisasse, como se você tivesse alguma obrigação com isso. Não tem. Até porque, as vezes procuro teus olhos e não encontro, eles fogem de mim, vão para outras partes, praticam uma cruel trajetória, ao contrário daqueles outros olhos, que ainda me perseguem mesmo que eu não pudesse vê-los.  
É claro que eu não os culpo, como disse, são teus olhos, te pertencem, e disso mais nada sei. Por quê, ao contrário de ser vencida por aqueles olhos no escuro, eu deixei você escolher, eu me deixei vencer pelos teus.