O outono permanece, mesmo durante as outras estações.
Ele se manifesta por dentre as folhas secas da calçada, e no vento que curvou seu rumo repentinamente, como nas chuvas de verão.
Sim, vento, vento este que despenteia meus cabelos, e eriça meus pêlos numa espécie de anti-gravidade. O tipo de vento que bate no rosto e nos diz quem a gente é. Como as botucas. As botucas em minha perna me lembram de que eu existo, são a prova de que existo, e também, de que existem botucas, que elas de mim necessitam e que assim fazemos parte de um todo, ou pelo menos, de um algo maior. Mas não existem botucas no outono. No outono, as botucas dormem, e sonham com as pernas de outros, talvez, com as minhas pernas, quem sabe... Mas lhes falava do outono, pois bem, o outono tem íris castanha, pele cinzenta e dentes amarelo ocre. Seus dias e noites tem a mesma duração, e são tão longos e tão mortais quanto os demais dias do ano... Mas não se enganem, o outono é belo. Belo como os olhos de um cão, como a camisa surrada de um mendigo, como um botão que se desprendeu dessa camisa, como um fio de cabelo branco ou como as páginas amareladas de um livro antigo. O belo é o autêntico. É um chiclete grudado embaixo de uma carteira de escola.