Por mais que tentasse eu nunca passava desapercebida pelas crianças. De longe veio uma trazendo um rato (ou um sapo) entre as mãos. Dizia "vou matá-lo", duas meninas correram gritando. Lembrei de quando, uma vez, corri com uma rã nas mãos, e eu era criança. A mesma cena, a mesma mise-en-scene. Voltei a estação de trem abandonada (sim, isso se passava lá), no galpão,várias fantasias de carnaval. Um vagão cor de chumbo repousava à décadas, próximo. Pensei: afinal de contas, muitos meninos haveriam de apanhar ratos e sapos e correr atrás de meninas, e depois ter o desejo de matá-los; Devia ser um estado de alma que todos os meninos haveriam de passar na sua infância, como um ritual. Não era um rato, era um pássaro, (o que de alguma maneira absurda tornava mais triste a história), pedi ao menino que o soltasse, ele disse que não adiantava, pois o pássaro já não voava; Eu disse que devia ser porque ele estava assustado, ele disse que não, mas soltou. O pássaro não se mexeu. Quando virei as costas ele voou. Voou baixo e cambaleou um pouco, sob o tilintar das moedas em meu bolso.
(2012)