sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Dois poemas ingleses (trecho) - Jorge Luis Borges

"I
A madrugada inútil me encontra numa esquina deserta;
sobrevivi à noite.
As noites são ondas altivas: ondas de crista pesada,
azul-escuras, carregadas de todos os tons de terra
profunda, de coisas desejáveis e improváveis.
As noites são dadas a misteriosas dádivas e recusas,
as coisas meio entregues, meio retidas, a êxtases com
um hemisfério escuro. Assim agem as noites, eu te digo.
(...)
A madrugada esmagadora me encontra numa rua
deserta de minha cidade.
Teu perfil voltado para o outro lado, os sons que formam
teu nome, o ritmo de teu riso: esses, os ilustres
brinquedos que me legaste.
Eu os reviro na madrugada, e os perco, e os acho,
conto-os aos raros cães vadios e às raras estrelas
vadias da madrugada.
Tua vida escura e rica...
Preciso chegar a tí, não sei como: guardo os ilustres
brinquedos que me legaste, quero teu olhar oculto,
teu sorriso real - aquele sorriso solitário
e zombedeiro que teu espelho frio conhece.

II

Com que posso prender-te?
Ofereço-te ruas magras, crepúsculos desesperados, a lua
dos subúrbios esgarçados.
Ofereço-te o amargor de um homem que mirou e mirou
demoradamente a lua solitária.
Ofereço-te meus ancestrais, meus mortos, os espectros
que homens vivos honraram em mármore (...)
Ofereço-te o que de revelações houver em meus livros,
o que de hombridade e humor houver em minha vida.
Ofereço-te a lealdade de um homem que nunca foi leal.
Ofereço-te o cerne de mim que conservei, não sei como
- o coração central que não lida com palavras,
não trafica com sonhos e é imune ao tempo, à alegria,
às adversidades.
Ofereço-te a lembrança de uma rosa amarela vista
ao crepúsculo, anos antes de nasceres.
Ofereço-te explicações de ti, teorias sobre ti, notícias
verídicas e surpreendentes de ti.
Posso te dar minha solidão, minha treva, a fome
de meu coração; tento subornar-te com a incerteza,
o perigo, a derrota."