O verbo prorrogar entrou em pleno vigor, e não só se
prorrogaram os mandatos como o vencimento de dívidas e dos compromissos de toda
sorte. Tudo passou a existir além do tempo estabelecido. Em conseqüência não
havia mais tempo.
Então suprimiram-se os relógios, as agendas e os
calendários. Foi eliminado o ensino de História para que História? Se tudo era
a mesma coisa, sem perspectiva de mudança.
A duração normal da vida também foi prorrogada e,
porque a morte deixasse de existir, proclamou-se que tudo entrava no regime de
eternidade. Aí começou a chover, e a eternidade se mostrou encharcada e
lúgubre. E o seria para sempre, mas não foi. Um mecânico que se entediava em
demasia com a eternidade aquática inventou um dispositivo para não se molhar.
Causou a maior admiração e começou a receber inúmeras encomendas. A chuva foi
neutralizada e, por falta de objetivo, cessou. Todas as formas de duração
infinita foram cessando igualmente.
Certa manhã, tornou-se irrefutável que a vida
voltara ao signo do provisório e do contingente. Eram observados outra vez
prazos, limites. Tudo refloresceu. O filósofo concluiu que não se deve plagiar
a eternidade.
Carlos Drummond de Andrade
Contos
Plausíveis, in Andrade, C. D. (1992):
Poesia e Prosa, Rio de Janeiro: Aguilar, pg. 1233.