E foi como se lhe destacassem os olhos da cara e em seu lugar lhe pregassem dois botões, descosturassem sua pele e tirassem seu recheio - Esfacelado, despedaçado, fragmentado, estilhaçado, dilacerado - Ainda que lhe emprestassem uma boa aparência, e que a forma tornasse a lembrar o que fora um dia, qualquer um podia dizer que ali havia a falta de algo, algo tão circunstancial, tão extraordinário, tão singular como é uma entrega ou uma recusa. Algo que nos foge ao controle. Mas não, isso não era lhe devolver um pouco de vida, isso era uma imitação barata e ridícula, um monstro, uma fraude, a pior, a mais perversa mentira - A pele, o pêlo, o osso, a veia, a fibra metamorfoseada em sangue, vermelho que destoa, e ao final encerra em uma colcha feita de um mórbido retalho e... - E então você percebe, você sabe, você sente o quanto é incabível, inadequada, absurda a idéia do amor. Por que quando se conhece um tipo de maldade que aprisiona o belo, que se apropria do íntegro, e cava, cava, até encontrar o nada, até restar apenas lixo: isso nos mutila, nos faz perder o chão.
Mas não é assim, não se tira a cara como se tira um capuz da cabeça, a pele como a uma roupa. A gente não se despede da carne, não sem dizer adeus.
Figura: Francis Bacon
Figura: Francis Bacon