"Do verso-vida dentro de mim que agora me enche o peito"
Hilda Hilst - Tu não te moves de ti
terça-feira, 30 de abril de 2013
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Há três Cíceros atrás, escrevi: "Permanece o mistério dos íntimos."
Um ano antes, numa última frase apagada de uma carta escrevi também: "Rumores do Idílio"
(Fato que,[...])
Mas que bagunça doida de textos ando escrevendo!
Acho que ainda dá tempo de ajeitar as coisas dentro de sí
e,
apostar pra ver!
Um ano antes, numa última frase apagada de uma carta escrevi também: "Rumores do Idílio"
(Fato que,[...])
Mas que bagunça doida de textos ando escrevendo!
Acho que ainda dá tempo de ajeitar as coisas dentro de sí
e,
apostar pra ver!
domingo, 28 de abril de 2013
sábado, 27 de abril de 2013
"Ai santos meus até onde vai indo o meu pensar, que nervoso de cobras tantas num buraco, que ruído de carapaças se batendo, que ferver de aranhas apossou-se de mim, aguilhões de um pardo sofrimento, dessa cor que não se pode definir, pardas as vísceras, as veias, o desembestado coração [...]"
Hilda Hilst
Hilda Hilst
sexta-feira, 26 de abril de 2013
Somos estrangeiros
"Lídia, ignoramos. Somos estrangeiros
Onde quer que estejamos.
Lídia, ignoramnos. Somos estrangeiros
Onde quer que moremos, Tudo é alheio
Nem fala língua nossa.
Façamos de nós mesmos o retiro
Onde esconder-nos, tímidos do insulto
Do tumulto do mundo.
[...]"
Fernando Pessoa - Ricardo Reis
Onde quer que estejamos.
Lídia, ignoramnos. Somos estrangeiros
Onde quer que moremos, Tudo é alheio
Nem fala língua nossa.
Façamos de nós mesmos o retiro
Onde esconder-nos, tímidos do insulto
Do tumulto do mundo.
[...]"
Fernando Pessoa - Ricardo Reis
"-Eu perdôo seus vazios", disse a ela sem no entanto ter perdoado os meus.
Na verdade a conversa não começou ali, mas a gente sempre brinca de inventar outros contextos que casam com o que a gente diz.
"-Quero desistir de tudo!", disse em outra ligação não tão distante da primeira:
"- Minhas energias estão estranhas."
Ela entendeu, sabe mais do que eu destas místicas.
"- Vou jogar o meu Obi!" (disse em pensamento)
"-Vou me conhecer sendo filha de um Orixá!"
Há quem aposte em Oxóssi, mas em Ogum...não há.
Todos sabem que este vigor há muito me falta. Assim também digo de Iansã.
Nem tampouco a graça de Iemanjá, como lhe disse uma vez: "Não tenho nem a firmeza, nem bem a leveza no passo, sou mesmo esta confusão."
Foi acatado pelo silêncio ou pela repetição, já não lembro.
Enfim, jogo meu obi, seja o que deus quiser!
Na verdade a conversa não começou ali, mas a gente sempre brinca de inventar outros contextos que casam com o que a gente diz.
"-Quero desistir de tudo!", disse em outra ligação não tão distante da primeira:
"- Minhas energias estão estranhas."
Ela entendeu, sabe mais do que eu destas místicas.
"- Vou jogar o meu Obi!" (disse em pensamento)
"-Vou me conhecer sendo filha de um Orixá!"
Há quem aposte em Oxóssi, mas em Ogum...não há.
Todos sabem que este vigor há muito me falta. Assim também digo de Iansã.
Nem tampouco a graça de Iemanjá, como lhe disse uma vez: "Não tenho nem a firmeza, nem bem a leveza no passo, sou mesmo esta confusão."
Foi acatado pelo silêncio ou pela repetição, já não lembro.
Enfim, jogo meu obi, seja o que deus quiser!
quarta-feira, 24 de abril de 2013
Pégasus nasceu da lama e do sangue de Medusa decapitada por Perseu.
Conta-se, que de uma patada fez brotar a fonte de Hipocrene, e quem de suas águas bebesse, se tornaria um poeta.
A história de Pégasus me confirma que é possivel surgir o belo da matéria escura.
E me conforta saber que esse belo possa ser, dentre tantos outros, a poesia.
terça-feira, 23 de abril de 2013
"Aceitar tudo é um exercício, entender tudo é uma tensão. O poeta apenas deseja a exaltação e a espansão, um mundo em que ele possa se expandir. O poeta apenas pede para pôr a cabeça nos céus. O lógico é que procura pôr os céus dentro da cabeça. E é a cabeça que se estilhaça. "
Chesterton - Ortodoxia
segunda-feira, 22 de abril de 2013
A Biblioteca de Babel - Jorge Luis Borges
O UNIVERSO (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um
número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços
de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. De qualquer
hexágono, vêem-se os andares inferiores e superiores: interminavelmente.
A distribuição das galerias é invariável. Vinte prateleiras,
em cinco longas estantes de cada lado, cobrem todos os lados menos dois; sua
altura, que é a dos andares, excede apenas a de um bibliotecário normal.
Uma das faces livres dá para um estreito vestíbulo, que
desemboca em outra galeria, idêntica à primeira e a todas. À esquerda e à
direita do vestíbulo, há dois sanitários minúsculos. Um permite dormir em pé;
outro, satisfazer as necessidades físicas. Por aí passa a escada espiral, que
se abisma e se eleva ao infinito.
No vestíbulo ha um espelho, que fielmente duplica as
aparências. Os homens costumam inferir desse espelho que a Biblioteca não é
infinita (se o fosse realmente, para quê essa duplicação ilusória?), prefiro
sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito…
A luz procede de algumas frutas esféricas que levam o nome
de lâmpadas. Há duas em cada hexágono: transversais. A luz que emitem é
insuficiente, incessante. Como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha
juventude; peregrinei em busca de um livro, talvez do catálogo de catálogos;
agora que meus olhos quase não podem decifrar o que escrevo, preparo-me para
morrer; a poucas léguas do hexágono em que nasci.
Morto, não faltarão mãos piedosas que me joguem pela
balaustrada; minha sepultura será o ar insondável; meu corpo cairá
demoradamente e se corromperá e dissolverá no vento gerado pela queda, que é
infinita. Afirmo que a Biblioteca é interminável.
Os idealistas argúem que as salas hexagonais são uma forma
necessária do espaço absoluto ou, pelo menos, de nossa intuição do espaço.
Alegam que é inconcebível uma sala triangular ou pentagonal. (os místicos
pretendem que o êxtase lhes revele uma câmara circular com um grande livro
circular de lombada contínua, que siga toda a volta das paredes; mas seu
testemunho é suspeito; suas palavras, obscuras. Esse livro cíclico é Deus).
Basta-me, por ora, repetir o preceito clássico: “A Biblioteca é uma esfera cujo
centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível”.
A cada um dos muros de cada hexágono correspondem cinco
estantes; cada estante encerra trinta e dois livros de formato uniforme; cada
livro é de quatrocentas e dez páginas; cada página, de quarenta linhas; cada linha,
de umas oitenta letras de cor preta.
Também há letras no dorso de cada livro; essas letras não
indicam ou prefiguram o que dirão as páginas. Sei que essa inconexão, certa
vez, pareceu misteriosa. Antes de resumir a solução (cuja descoberta, apesar de
suas trágicas projeções, é talvez o fato capital da história), quero rememorar
alguns axiomas.
O primeiro: a Biblioteca existe ab aeterno. Dessa verdade
cujo corolário imediato é a eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável
pode duvidar. O homem, o imperfeito bibliotecário, pode ser obra do acaso ou
dos demiurgos malévolos; o Universo, com seu elegante provimento de
prateleiras, de tomos enigmáticos, de infatigáveis escadas para o viajante e de
latrinas para o bibliotecário sentado, somente pode ser obra de um deus.
Para perceber a distância que há entre o divino e o humano,
basta comparar esses rudes símbolos trémulos que minha falível mão garatuja na
capa de um livro, com as letras orgânicas do interior: pontuais, delicadas,
negríssimas, inimitavelmente simétricas.
O segundo: O número de símbolos ortográficos é vinte e
cinco[1]. Essa comprovação permitiu, depois de trezentos anos, formular uma
teoria geral da Biblioteca e resolver satisfatoriamente o problema que nenhuma
conjectura decifrara: a natureza disforme e caótica de quase todos os livros.
Um, que meu pai viu em um hexágono do circuito quinze
noventa e quatro, constava das letras M C V perversamente repetidas da primeira
linha ate à última. Outro (muito consultado nesta área) é um simples labirinto
de letras, mas a página penúltima diz Oh, tempo tuas pirâmides.
Já se sabe: para uma linha razoável com uma correta
informação, há léguas de insensatas cacofonias, de confusões verbais e de
incoerências. (Sei de uma região montanhosa cujos bibliotecários repudiam o
supersticioso e vão costume de procurar sentido nos livros e o equiparam ao de
procurá-lo nos sonhos ou nas linhas caóticas da mão… Admitem que os inventores
da escrita imitaram os vinte e cinco símbolos naturais, mas sustentam que essa aplicação
é casual, e que os livros em si nada significam. Esse ditame, já veremos, não é
completamente falaz).
Durante muito tempo, acreditou-se que esses livros
impenetráveis correspondiam a línguas pretéritas ou remotas. É verdade que os
homens mais antigos, os primeiros bibliotecários, usavam uma linguagem assaz
diferente da que falamos agora; é verdade que algumas milhas à direita a língua
é dialetal e que noventa andares mais acima é incompreensível.
Tudo isso, repito-o, é verdade, mas quatrocentas e dez
páginas de inalteráveis M C V não podem corresponder a nenhum idioma, por
dialetal ou rudimentar que seja. Uns insinuaram que cada letra podia influir na
subsequente e que o valor de M C V na terceira linha da página 71 não era o que
pode ter a mesma série noutra posição de outra página, mas essa vaga tese não
prosperou. Outros pensaram em criptografias; universalmente essa conjectura foi
aceite, ainda que não no sentido em que a formularam seus inventores.
Há quinhentos anos, o chefe de um hexágono superior[2]
deparou com um livro tão confuso quanto os outros, porém que possuía quase duas
folhas de linhas homogêneas. Mostrou o seu achado a um decifrador ambulante,
que lhe disse que estavam redigidas em português; outros lhe afirmaram que em
iídiche. Antes de um século pôde ser estabelecido o idioma: um dialeto
samoiedo-lituano do guarani, com inflexões de árabe clássico.
Também decifrou-se o conteúdo: noções de análise
combinatória, ilustradas por exemplos de variantes com repetição ilimitada.
Esses exemplos permitiram que um bibliotecário de gênio descobrisse a lei
fundamental da Biblioteca. Esse pensador observou que todos os livros, por
diversos que sejam, constam de elementos iguais: o espaço, o ponto, a vírgula
as vinte e duas letras do alfabeto.
Também alegou um fato que todos os viajantes confirmaram:
“Não há, na vasta Biblioteca, dois livros idênticos”. Dessas premissas
incontrovertíveis deduziu que a Biblioteca é total e que suas prateleiras
registram todas as possíveis combinações dos vinte e tantos símbolos
ortográficos (numero, ainda que vastíssimo, não infinito), ou seja, tudo o que
é dado expressar: em todos os idiomas.
Tudo: a história minuciosa do futuro, as autobiografias dos
arcanjos, o catálogo fiel da Biblioteca, milhares e milhares de catálogos
falsos, a demonstração da falácia desses catálogos, a demonstração da falácia
do catalogo verdadeiro, o evangelho gnóstico de Basilides, o comentário desse
evangelho, o comentário do comentário desse evangelho, o relato verídico de tua
morte, a versão de cada livro em todas as línguas, as interpolações de cada
livro em todos os livros; o tratado que Beda pôde escrever (e não escreveu)
sobre a mitologia dos saxões, os livros perdidos de Tácito.
Quando se proclamou que a Biblioteca abarcava todos os livros,
a primeira impressão foi de extravagante felicidade. Todos os homens
sentiram-se senhores de um tesouro intacto e secreto. Não havia problema
pessoal ou mundial cuja eloquente solução não existisse: em algum hexágono. o
Universo estava justificado, o Universo bruscamente usurpou as dimensões
ilimitadas da esperança.
Naquele tempo falou-se muito das Vindicações: livros de
apologia e de profecia, que para sempre vindicavam os actos de cada homem do
Universo e guardavam arcanos prodigiosos para seu futuro. Milhares de cobiçosos
abandonaram o doce hexágono natal e precipitaram-se escadas acima, premidos
pelo vão propósito de encontrar sua Vindicação.
Esses peregrinos disputavam nos corredores estreitos,
proferiam obscuras maldições, estrangulavam-se nas escadas divinas, jogavam os
livros enganosos no fundo dos túneis, morriam despenhados pelos homens de
regiões remotas. Outros enlouqueceram… As Vindicações existem (vi duas que se
referem a pessoas do futuro, a pessoas talvez não imaginarias) mas os que procuravam
não recordavam que a possibilidade de que um homem encontre a sua, ou alguma
pérfida variante da sua, é computável em zero.
Também se esperou então o esclarecimento dos mistérios
básicos da humanidade: a origem da Biblioteca e do tempo. É verosímil que esses
graves mistérios possam explicar-se em palavras: se não bastar a linguagem dos
filósofos, a multiforme Biblioteca produzirá o idioma inaudito que se requer e
os vocabulários e gramáticas desse idioma. Faz já quatro séculos que os homens
esgotam os hexágonos…
Existem investigadores oficiais, inquisidores. Eu os vi no
desempenho de sua função: chegam sempre estafados; falam de uma escada sem
degraus que quase os matou; falam de galerias e de escadas com o bibliotecário;
ás vezes, pegam o livro mais próximo e o folheiam, á procura de palavras
infames. Visivelmente, ninguém espera descobrir nada.
A desmedida esperança, sucedeu, como e natural, uma
depressão excessiva. A certeza de que alguma prateleira em algum hexágono
encerrava livros preciosos e de que esses livros preciosos eram inacessíveis
afigurou-se quase intolerável. Uma seita blasfema sugeriu que cessassem as
buscas e que todos os homens misturassem letras e símbolos, até construir,
mediante um improvável dom do acaso, esses livros canônicos.
As autoridades viram-se obrigadas a promulgar ordens
severas. A seita desapareceu, mas na minha infância vi homens velhos que
demoradamente se ocultavam nas latrinas, com alguns discos de metal num fritilo
proibido, e debilmente arremedavam a divina desordem.
Outros, inversamente, acreditaram que o primordial era
eliminar as obras inúteis. Invadiam os hexágonos, exibiam credenciais nem
sempre falsas, folheavam com fastio um volume e condenavam prateleiras
inteiras: a seu furor higiênico, ascético, deve-se a insensata perda de milhões
de livros. Seu nome é execrado, mas aqueles que deploram os “tesouros”
destruídos por seu frenesi negligenciam dois fatos notórios.
Um: a Biblioteca é tão imensa que toda redução de origem
humana resulta infinitesimal. Outro: cada exemplar é único, insubstituível, mas
(como a Biblioteca é total) há sempre várias centenas de milhares de
fac-símiles imperfeitos: de obras que apenas diferem por uma letra ou por uma
virgula. Contra a opinião geral, atrevo-me a supor que as consequências das
depredações cometidas pelos Purificadores foram exageradas graças ao horror que
esses fanáticos provocaram. Urgia-lhes o delírio de conquistar os livros do
Hexágono Carmesim: livros de formato menor que os naturais; onipotentes,
ilustrados e mágicos.
Também sabemos de outra superstição daquele tempo: a do
Homem do Livro. Em alguma estante de algum hexágono (raciocinaram os homens)
deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos os
demais: algum bibliotecário o consultou e é análogo a um deus.
Na linguagem desta área persistem ainda vestígios do culto
desse funcionário remoto. Muitos peregrinaram á procura d’Ele. Durante um
século trilharam em vão os mais diversos rumos. Como localizar o venerado
hexágono secreto que o hospedava? alguém propôs um método regressivo: Para
localizar o livro A, consultar previamente um livro B, que indique o lugar de
A; para localizar o livro B, consultar previamente um livro C, e assim até o
infinito…
Em aventuras como essas, prodigalizei e consumi meus anos.
Não me parece inverosímil que em alguma prateleira do Universo haja um livro
total; rogo aos deuses ignorados que um homem – um só, ainda que seja há mil
anos! – o tenha examinado e lido. Se a honra e a sabedoria e a felicidade não
estão para mim, que sejam para outros. Que o céu exista, embora meu lugar seja
o inferno. Que eu seja ultrajado e aniquilado, mas que num instante, num ser,
Tua enorme Biblioteca Se justifique.
Afirmam os ímpios que o disparate é normal na Biblioteca e
que o razoável (e mesmo a humilde e pura coerência) é quase milagrosa exceção.
Falam (eu o sei) de “a Biblioteca febril, cujos fortuitos volumes correm o
incessante risco de transformar-se em outros e que tudo afirmam, negam e confundem
como uma divindade que delira”.
Essas palavras, que não apenas denunciam a desordem mas que
também a exemplificam, provam, evidentemente, seu gosto péssimo e sua
desesperada ignorância. De fato, a Biblioteca inclui todas as estruturas
verbais, todas as variantes que permitem os vinte e cinco símbolos
ortográficos, porém nem um único disparate absoluto. Inútil observar que o
melhor volume dos muitos hexágonos que administro intitula-se Trono Penteado, e
outro A Cãibra de Gesso e outro Axaxaxas mlö.
Essas proposições, à primeira vista incoerentes, sem dúvida
são passíveis de uma justificativa criptográfica ou alegórica; essa
justificativa é verbal e, ex hypothesi, já figura na Biblioteca. Não posso
combinar certos caracteres
dhcmrlchtdj
que a divina Biblioteca não tenha previsto e que em alguma
de suas línguas secretas não contenham um terrível sentido. Ninguém pode
articular uma sílaba que não esteja cheia de ternuras e de temores; que não
seja em alguma dessas linguagens o nome poderoso de um deus. Falar é incorrer
em tautologias.
Esta epístola inútil e palavrosa já existe num dos trinta
volumes das cinco prateleiras de um dos incontáveis hexágonos – e também sua
refutação. (Um numero n de linguagens possíveis usa o mesmo vocabulário; em
alguns, o símbolo biblioteca admite a correta definição ubíquo e perdurável
sistema de galerias hexagonais, mas biblioteca é pão ou pirâmide ou qualquer
outra coisa, e as sete palavras que a definem tem outro valor. Você, que me lê,
tem certeza de entender minha linguagem?)
A escrita metódica distrai-me da presente condição dos
homens. A certeza de que tudo está escrito nos anula ou nos fantasmagórica.
Conheço distritos em que os jovens se prostram diante dos livros e beijam com
barbárie as páginas, mas não sabem decifrar uma única letra.
As epidemias, as discórdias heréticas, as peregrinações que
inevitavelmente degeneram em bandoleirismo, dizimaram a população. Acredito ter
mencionado os suicídios, cada ano mais frequentes. Talvez me enganem a velhice
e o temor, mas suspeito que a espécie humana – a única – está por extinguir-se
e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente
imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta.
Acabo de escrever infinita. Não interpolei esse adjetivo por
costume retórico; digo que não é ilógico pensar que o mundo é infinito. Aqueles
que o julgam limitado postulam que em lugares remotos os corredores e escadas e
hexágonos podem inconcebivelmente cessar – o que é absurdo. Aqueles que o
imaginam sem limites esquecem que os abrange o número possível de livros.
Atrevo-me a insinuar esta solução do antigo problema: A
Biblioteca é ilimitada e periódica. Se um eterno viajante a atravessasse em
qualquer direção, comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos volumes se
repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem). Minha
solidão alegra-se com essa elegante esperança.

As borboletas são porque não posso me conter do impulso de estar só, e desafiar a violência do mundo, o julgamento, o mercado social, toda essa parafernália. As borboletas dela são o oposto, não posso eu também julgá-la por querer isso, a solidão dela desespera. Pois bem, creio ser mais uma destinada a perder-se nos labirintos da Biblioteca de Babel, nada mais. Ela pretende perder-se em outros labirintos, e pode, eu? bem...talvez não seja digna de muitos, outros não me deram a chave de seu segredo, pois qualquer labirinto, por mais ínfimo que seja, tem uma entrada.
domingo, 21 de abril de 2013
sábado, 20 de abril de 2013
"Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! tinha textura minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se acaso distraído eu perguntasse "para onde estamos indo?" - não importava que eu , erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas , quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: "estamos indo sempre pra casa."
Raduan Nassar - Lavoura Arcaica
"E se os fatos não correspondem à vida, meu caro, pior para os fatos."
Encontrei esse escrito em um pequeno papel recortado no meio da minha bagunça, achei divertido. Pensei, primeiramente, que fosse de autoria de Machado de Assis, mas agora que pesquisei um pouco acho que é do Manoel de Barros, seja quem for que escreveu, veio bem a calhar.
sexta-feira, 19 de abril de 2013
"Na modorra das tardes vadias na fazenda, era num sítio lá no bosque que eu escapa aos olhos apreensivos da família; amainava a febre de meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma vergada ao peso de um botão vermelho; não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor, velando em silêncio e cheios de paciência meu sono adolescente? que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda? de que adiantavam aqueles gritos, se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? (meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo. )"
Raduan Nassar - Lavoura Arcaica
Imagem: Gauguin - Breton woman and goose by the water
quarta-feira, 17 de abril de 2013
segunda-feira, 15 de abril de 2013
sexta-feira, 12 de abril de 2013
Não são só as palavras,
meu próprio rosto tem feições que desconheço,
feições que não sabem se esboçar.
Minha voz não emite quando falo,
Meus gestos parecem mal ensaíados,
como se fossem pintados
pela primeira vez.
Meus olhos tem vida própria,
mesmo o brilho opaco]
meus olhos vão aonde não digo;
Meus dedos titirilam,
nas mesas, nos balcões,sem eu mandar.
Meus pés tropeçam neles mesmos
Minhas pernas,
de súbito,
dobram de peso.
Meus braços esbarram pelos móveis.
Meus lábios restam imóveis
mesmo em ilustre contentamento.
meu próprio rosto tem feições que desconheço,
feições que não sabem se esboçar.
Minha voz não emite quando falo,
Meus gestos parecem mal ensaíados,
como se fossem pintados
pela primeira vez.
Meus olhos tem vida própria,
mesmo o brilho opaco]
meus olhos vão aonde não digo;
Meus dedos titirilam,
nas mesas, nos balcões,sem eu mandar.
Meus pés tropeçam neles mesmos
Minhas pernas,
de súbito,
dobram de peso.
Meus braços esbarram pelos móveis.
Meus lábios restam imóveis
mesmo em ilustre contentamento.
Sigilo da Fonte - Paulo Leminski
Quem há de dizer das linhas
que as ondas armem e não armem?
Quem há de dizer das flâmulas,
lágrimas acesas, tantas lâmpadas,
milagre, passsando rápidas?
Diga você, já que se sabe
que nem tudo na água é margem,
nem tudo é motivo de escândalo,
nem tudo me diz eu te amo,
nem tudo na terra é miragem.
Signos, sonhos, sombras, imagens,
ninguém vai nunca saber,
quantas mensagens nos trazem.
quinta-feira, 11 de abril de 2013
Constatou-me que na máquina (a datilográfica) de Leminski, as letras tinham se apagado. Eu então lhe disse que não havia problema: ele já as havia decorado. Disse-lhe também que eu imaginava que quando se escrevia à máquina podíamos sentir o peso das palavras, e que agora tudo era demasiado leviano, demasiado fútil. "As esferográficas jamais serão tão líricas." refleti, por fim, com tristeza.
Ela me disse que sabe coisas sobre mim. Que sou ótima em constatar coisas absurdas. Que quando dou um abraço de verdade em alguém dou "tapinhas" nas costas. Que tenho uma paciência infinita, mas que perco todo o controle quando me zango. Dela sei dos desassossegos, das invenções, e quase posso arriscar dizer conhecer seus sonhos mais antigos que em alguma parte são paralelos aos meus, mas disso, nunca falamos. Planos temos, aos montes, embora pouco conseguimos abarcar com nossos pequeninos braços...faz parte, abracemos por enquanto, os ínfimos, os versos, o resto, deixemos pra depois.
quarta-feira, 10 de abril de 2013
Lembro uma vez de quando ia fazer uma palestra sobre García Márquez e lhe dizia : " Mas como vou explicar para eles? Como vou dizer? se parece mais a um...- A um quadro do Chagall.", fiquei espantada, ela havia tirado as palavras da minha boca! Achei engraçado porque parecia um tipo de leitura bem nosso. Depois de nós nunca mais encontrei outra pessoa para tirar de mim as palavras da boca.
Com certeza ela era de Gauguin! Ela era de Gauguin, e eu, de Van Gogh
Confirmei quando vi este quadro "A visão depois do sermão" (1888) de Paul Gauguin e quando li o trecho de uma carta de Gauguin para Van Gogh dizendo: "A paisagem e a luta só existem na imaginação delas".
terça-feira, 9 de abril de 2013
segunda-feira, 8 de abril de 2013
domingo, 7 de abril de 2013
segunda-feira, 1 de abril de 2013
"Se tivesses a dura e adocicada comunhão com as coisas, talvez sim tu serias mais bela porque o rosto adquire refulgências se dor ou maravilha e matéria de tudo o que te rodeia te penetra, e ao invés de gastares teu ouro no apagar de umas linhas finas e de sulcos, tu te tocarias amante mansa, sabendo que o vestígio de todas as solidões se faz presença no teu rosto, que o sofrido da água é cicatriz agora ao redor da tua boca, que tomaste para a tua fronte a linha funda da pedra, Ruteidade de Rute, se te conhecesses como Tadeu desejaria, se deixasses que o Tempo fizesse a sua casa no teu centro, se a nossa casa tivesse sido a vida de nossas próprias almas [...] E ao contrário, me fiz num caminhar insano e fui atrás dos teus murmúrios ocos."
"Tu não te moves de tí" - Hilda Hilst
"Tu não te moves de tí" - Hilda Hilst
Assinar:
Postagens (Atom)