Eu não tirava os olhos do homem. Sua magreza me fascinava. Contudo, foi Artur que me chamou a atenção para um detalhe:
- Ele está ficando transparente.
Assustei-me.
Através do corpo do homenzinho viam-se objetos que estavam no interior
da casa: jarras de flores, livros, misturados com intestinos e rins. O
coração parecia estar dependurado na maçaneta da porta, cerrada
somente de um dos lados.
Também Artur emagrecia e
nem por isso fiquei apreensivo. Anatólio tornara-se a minha única
preocupação. As suas carnes se desfaziam rapidamente, enquanto meu
irmão bufava, pleno de gozo:
- Olha! De tão magro, só tem perfil. Amanhã desaparecerá.
Às
cinco horas da tarde do dia seguinte, o solteirão apareceu na varanda,
arrastando-se com dificuldade. Nada mais tendo para emagrecer, seu
crânio havia diminuído e o boné, folgado na cabeça, escorregara até os
olhos. O vento fazia com que o corpo dobrasse sobre si mesmo. Teve um
espasmo e lançou um jato de fogo, que varreu a rua. Artur, excitado,
não perdia o lance, enquanto eu recuava atemorizado.
Por
instantes, Anatólio se encolheu para, depois, tornar a vomitar. Menos
que da primeira vez. Em seguida, cuspiu. No fim, já ansiado, deixou
escorrer uma baba incandescente pelo tórax abaixo e incendiou-se.
Restou a cabeça, coberta pelo boné. O cachimbo se apagava no chão.
- Não falei! - gritava Artur, exultante.
A
sua voz foi ficando fina, longínqua. Olhando para o lugar onde ele se
encontrava, vi que seu corpo diminuíra espantosamente. Ficara reduzido a
alguns centímetros e, numa vozinha quase imperceptível, murmurava:
- Não falei, não falei.
Peguei-o
com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a rolar
na minha mão."