domingo, 30 de junho de 2013

Pollock





“Detrás de cada caverna, uma caverna mais profunda ainda – um mundo mais amplo, mais estranho, mais rico, situado além da superfície, um abismo.” 

Nietzsche

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Nada procures nos astros:
O universo é mudo,
só responde em estrelas.

Teu corpo uiva a presença dele.
Por trás do rosto seráfico:
Perfídias demoníacas
Por trás do olhar edênico:
Puro excremento!
A união estocástica do que é angelical e monstruoso
justamente
no mesmo lugar.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

"Um lado do meu corpo amparando-se na aspereza dos cantos."

Hilda Hilst
"Por que te fazes oco e gemes tua víscera vazia?"

Hilda Hilst

quarta-feira, 26 de junho de 2013

O homem mal-educado - Gonçalo Tavares

"O mal-educado não tirava o chapéu em nenhuma situação. 
Nem às senhoras quando passavam, nem em reuniões importantes, nem quando entrava na igreja.
Aos poucos a população começou a ganhar repulsa pela indelicadeza desse homem, e com os anos esta agressividade cresceu até chegar ao extremo: o homem foi condenado à guilhotina.
No dia em questão colocou a cabeça no cepo, sempre, e orgulhosamente, com o chapéu.
Todos aguardavam.
A lâmina da guilhotina caiu e a cabeça rolou.
O chapéu, mesmo assim, permaneceu na cabeça.
Aproximaram-se, então, para finalmente arrancarem o chapéu àquele mal-educado.
Mas não conseguiram.
Não era um chapéu,  era a própria cabeça que tinha um formato estranho."

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Há solução para o homem?
Equação pitagórica?
Unguento de erva rara?
Reza braba?
Um divã?
A palmatória?
Uma relíquia
escondida,
numa tumba antiga?

Ethos

"Ética é cuidar de si mesmo, porque o outro é o si mesmo"

Café Filosófico de Viviane Mosé - Educação

domingo, 23 de junho de 2013

E se eu te disser...


Que tem gente que vê morto
E que tem morto que vê gente
Tem sanidade de louco
E tem planta sem semente
Que tem pecado que é divino
Tem quem varra e é varrido
tem quem passe e é passado
inocente que é culpado
tem quem fere e é ferido
Tem inimigo que é melhor amigo
Tem destino que é acaso
Tem leão que é domado
Caçador empalhado
E tem cerca de vidro
Palhaço sem circo
Manteiga sem pão
Risco sem traço
Nação sem bandeira
Água sem mangueira
Uva sem videira
Marcha sem soldado
E tem poema sem rima
Tem começo que termina
Folha sem galho
Gato que persegue cão
Rato que persegue gato
Tem sim que diz que não
E tem cru que é assado
Os perdidos e os achados
O direito e o errado
tem Deus e o Diabo!
Tem palácio de indigente
Tem até ateu que é crente
Tem janela que é parede
E tem estranho que é parente
pinhão que é pinheiro
Tem último que é primeiro
Colar que é coleira
Tem metade que é inteira
Tem Maria que é Teresa
Tem Maria que é Teresa

sábado, 22 de junho de 2013

Nada pode salvar o homem de sua condição. Mas afinal de contas, é só mais um dia na vida de Brahma.
O tudo ou nada não se encaixa nas minhas nuances.E ouso dizer, nas de ninguém.
Ideias, movimentos, mudam em segundos.
Só a utopia continua sendo utopia.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Uma revolução corre lá fora

eu não vou
mas carrego minhas armas

uma revolução corre aqui dentro

segunda-feira, 17 de junho de 2013

,mas eu ainda tenho muitas batalhas internas para vencer,

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Perdi a alcunha de flor com que ela me chamava. Bom, na última vez que nos vimos, sem o privilégio de premeditar o encontro, me chamou assim. "Ato falho", Freud diria. Entre os solavancos de um transporte público decadente me declarava amor. Amor, por quem nem via, mas a palavra lhe saltou pela boca sem remédio.
"Não está vazio o coração cujo som, por isso mesmo, não ressoa"
Shakespeare - Rei Lear

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Dueto - Chico Buarque e Nara Leão

"Consta nos astros, nos signos, nos búzios
Eu li num anúncio, eu vi no espelho,
 tá lá no evangelho, garantem os orixás
Serás o meu amor, serás a minha paz

Consta nos autos, nas bulas, nos dogmas
Eu fiz uma tese, eu li num tratado,
 está computado nos dados oficiais
Serás o meu amor, serás a minha paz

Mas se a ciência provar o contrário,
e se o calendário nos contrariar
Mas se o destino insistir em nos separar

Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas
Os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos
Profetas, sinopses, espelhos, conselhos
Se dane o evangelho e todos os orixás
Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz

Consta na pauta, no Karma, na carne, passou na novela
Está no seguro, pixaram no muro, mandei fazer um cartaz
Serás o meu amor, serás a minha paz"
Mata-me com ternura
Seja lenta, não seja breve
Arrebenta-me com teu vermelho
Me esmiuce em palavras
Jogue-me ao chão
Guspa sobre mim, verdades e não verdades
Minta para mim, sublime
deste secreto

Deixa-me com as feras
Cubra-me com as flores

"Quero ser o teu amor amigo. Nem demais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amor amigo, mas confesso é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias..."

Fernando Pessoa

domingo, 9 de junho de 2013

Já disse outras vezes que a "Inocência é o melhor escudo" , creio que a honestidade e a clareza também são. Prossigo assim, nem sempre posso, é claro, sou feita de carne, mas pretendo manter a virtude em mim. Meu desejo pela virtude não é tudo. Mas penso ser, um bom começo.
"Vai chorar
                  canta
vai falar
                  grita
vai andar
                  dança"

Alice Ruiz - "2 em 1"

Bresson


sábado, 8 de junho de 2013

"Meu respiro, minha lembrança, que espera não ser leviana no teu sentir, no teu pensar, mas também espera não ser para ti nenhum pesar, e espera, de alguma forma, ser também tua esperança."
Pobre de mim que não posso me livrar do sentir. Um segundo que fosse para um centímetro de respiro: Sou toda denúncia, mas arrancaria meus olhos feito édipo, se meus olhares para tí fossem anti-éticos. Peço-te alguma palavra nem que seja por caridade, que mais poderia eu pedir? Se nem em sonhos tu podes ser minha matéria: não ouso sonhar com o que de mais raro em mim habita. Sou culpada por algo que nunca pedi nem premeditei. Nem ouso falar sobre isso, bem sabe-se, é para mim coisa velada, a culpa me roeu por anos e anos, mas tanto corri que dei de frente contigo novamente, nada mais eram que voltas e voltas de longas espirais, que sempre me levariam a ti, como todos os caminhos levam a Roma. E te levaram, eu sei, queria eu que levassem a mim também, queria eu ter vida santa, salvo de toda a miséria do mundo, incluída no mistério...E já que não posso me inspiro em ti, tu és meu respiro do mundo, de mim, não posso me livrar. Meu respiro, minha lembrança, que espera não ser leviana no teu sentir, no teu pensar, mas também espera não ser para ti nenhum pesar, e espera, de alguma forma, ser também tua esperança.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

"Vencemo-nos antes a nós do que ao mundo" Descartes

"Desespero", segundo Sartre, "agir sem esperança"

"Sem um livro que vos consagre, sem uma memória em comum, sem essa outra memória que é um idioma, esparramados pela face da Terra, diversos na cor e nas feições, uma única coisa - O Segredo - os une e os unirá até o fim dos dias." J. L. Borges

E era assim que eu me sentia em relação a tí, e assim também na frase da minha estimada amiga e colega Dulce Olívia, de que amor é o que " nenhum ruído do mundo é capaz de destruir", e assim me lanço ao já perdido, porque seremos estes que guardam este segredo dentro de nós para sempre, até o infinito, onde ainda estaremos sós.
Lancei-me. Rezei ainda uma Ave Maria e um Pai nosso, daquele jeito que não sei, sem as palavras certas mas com toda a devoção. Lancei-me, como se não houvesse maneira de perder-me, sabendo que lançar-se já é perder-se, mas sem revelar o mistério, do mais doce, aquele que nunca poderia ser revelado. Lancei-me, e o sol é minha testemunha, e agora é esperar, o fim do dia, ou até mesmo,se preciso, o fim da vida.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

"Chore um mar inteiro
com todos os seus barcos a vela
chore o céu e as suas estrelas
os seus mistérios e o seu silêncio
chore um equilibrista caminhando
sobre a face de um poema
chore o sol e a lua
a chuva e o vento" [...]

Roseana Murray
"amor (ô) sm. que todo o ruído do mundo não é capaz de destruir,"

Por Dulce Olívia


Por ela
Porque Lançar-se já é Perder-se, me disse uma amiga.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Rimagens - Alice Ruiz


                              "O vento
                               vai me trazer
sopros
surpresas
você
                              o vento
                              vai me trazer
                              de volta"

Alice Ruiz
"Se eu não fosse poeta 
te diria
o que é tua presença
o que é tua ausência
o que é a minha vida
cheia de presenças
e de ausências
                                   Se eu não fosse poeta
                                   você saberia
                                   quando o teu olhar me aperta
                                   tudo que silencio
                                   como uma gata no cio
Se eu não fosse poeta 
não teria
essa estranha sensibilidade
que me impele
 de ver tudo claro
que me fez amar o raro
de toda impossibilidade
                                  Se eu não fosse poeta
                                  poderia
                                  me desfazer
                                  de tanta lucidez
                                  e ficar louca
                                  ao menos uma vez
Se eu não fosse poeta 
tudo seria
apenas um desejo
morto tão jovem
no primeiro beijo
ainda criança
ainda tão pequeno
ainda sem medo       
                                Se eu não fosse poeta
                                você entraria em mim
                                para ficar solto 
                                em algum lugar
                                da lembrança
                                em vez disso
                                nada digo
                                e você fica preso
                                dentro do meu verso."

Alice 
        Ruiz

Dia D


"conter impulsos
cortar os pulsos
esconder sustos"

Alice Ruiz

Olhos de Camões - Alice Ruiz

" Em vossos claros olhos escondido
o lindo ser de vossos belos olhos
Com que os meus olhos foi escurecendo
E os olhos pelas águas alongava

Vossos olhos, Senhora que competem
Mas contra vossos olhos quais serão?
De meus olhos vereis estar manando
As dos meus olhos, com que os seus se banhem

Olhos onde tem feito tal mistura
Olhos formosos, em quem quis natura
Nasceram lindas flores para os olhos

Os olhos meus de ver os vossos tira
Já não podeis fazer meus olhos ledos
Mas nos olhos mostrou quanto podia."

Poemontagem - Alice Ruiz


domingo, 2 de junho de 2013

Hengki Lee


"A última estrela que havia no céu
deu pra desaparecer
o mundo está sem estrela na testa

Foi o vento quem embrulhou minhas palavras
meteu no umbigo e levou pra namorada?

Eram palavras de protesto idiota!
Como o vento leva as palavras!
[...] "

Poemas Concebidos sem Pecado (1937) - Manoel de Barros

Pedido quase uma Prece - Manoel de Barros


"Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
Com janelas de aurora e árvores no quintal –
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores.

O que desejo é apenas uma casa. Em verdade,
não é necessário que seja azul, nem que tenha cortinas de rendas.
Em verdade, nem é necessário que tenha cortinas.
Quero apenas uma casa em uma rua sem nome.

Sem nome, porém honrada, Senhor.  Só não dispenso a árvore,
Porque é a mais bela coisa que nos destes e a menos amarga.
Quero de minha janela sentir os ventos pelos caminhos,
e ver o sol.
Dourando os cabelos negros e os olhos de minha amada.

Também a minha amada não dispenso, meu Senhor.
Em verdade ela é a parte mais importante deste poema.
Em verdade vos digo, e bastante constrangido,
Que sem ela a casa também eu não queria, e voltava pra pensão.

Ao menos, na pensão, eu tenho meus amigos
E a dona é sempre uma senhora do interior que tem uma filha alegre.
Eu adoro menina alegre, e daí podeis muito bem deduzir
Que para elas eu corro nas minhas horas de aflição.

Nas minhas solidões de amor e nas minhas solidões do pecado
Sempre fujo para elas, quando não fujo delas, de noite,
E vou procurar prostitutas. Oh, Senhor vós bem sabeis
Como amarga a vida de um homem o carinho das prostitutas!

Vós sabeis como tudo amarga naquelas vestes amassadas
Por tantas mãos truculentas ou tímidas ou cabeludas
Vós bem sabeis tudo isso, e portanto permiti
Que eu continue sonhando com a minha casinha azul.

Permiti que eu sonhe com a minha amada também, porque:
– De que me vale ter casa sem ter mulher amada dentro?
Permiti que eu sonhe com uma que ame andar sobre os montes descalça
E quando me vier beijar faça-o como se vê nos cinemas…

O ideal seria uma que amasse fazer comparações de nuvens com vestidos, e peixes com avião;
Que gostasse de passarinho pequeno, gostasse de escorregar no corrimão da escada
E na sombra das tardes viesse pousar
Como a brisa nas varandas abertas…

O ideal seria uma menina boba: que gostasse de ver folha cair de tarde…
Que só pensasse coisas leves que nem existem na terra,
E ficasse assustada quando ao cair da noite
Um homem lhe dissesse palavras misteriosas…
O ideal seria uma criança sem dono,que aparecesse como nuvem,
Que não tivesse destino nem nome – senão que um sorriso triste
E que nesse sorriso estivessem encerrados
Toda a timidez e todo o espanto das crianças que não têm rumo…

…………………………………..............

Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
Com janelas de aurora e árvores no quintal –
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas
como a roupa dos pescadores… "
"[...] Pois o que disse Joyce foi que o arame farpado quem inventou foi uma freira,
para amarrar  na cintura dela quando viesse a tentação."

Manoel de Barros

A Descoberta

Anos de estudo
         e pesquisas:
Era no amanhecer
Que as formigas escolhiam seus vestidos.

Manoel de Barros

sábado, 1 de junho de 2013

A cada dia me esqueço mais um pouco do que não posso esquecer nem evitar.
Meu corpo tem outro dono. Quem sou eu neste lugar?
Um alguém inventado, por assim dizer. Por quem? eu não sei.
Nestes dias parece que sonhei a vida toda.
A minha vida toda esteve alguém no meu lugar, outra de mim.
Não fui duas, na realidade, não sei me definir.
Talvez eu seja só nesse instante, em todos os outros sou as recordações da mesma.
Tomaram meu lugar, eu sinto.
Mas então para onde vou quando a outra, tão verdadeira, se passa por mim?
até chego a acreditar que sou ela.
Dias assim, desacredito.
Amanhã mesmo chegará aqui, hoje, talvez,
dormirá na minha cama, e de manhã, antes de eu abrir os olhos tomará posse.
Me guardará em algum lugar que não sei.
Mas qualquer dia voltarei,
quem sabe, até mesmo, pela última vez.