sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O doce e o amargo

"Beber o suco de muitas frutas
O doce e o amargo
Indistintamente
Beber o possível
Sugar o seio
Da impossibilidade
Até que brote o sangue
Até que surja a alma"

Sangue Latino

Jurei mentiras
E sigo sozinho
Assumo os pecados
Uh! Uh! Uh! Uh!
Os ventos do norte
Não movem moinhos
E o que me resta
É só um gemido
Minha vida, meus mortos
Meus caminhos tortos
Meu Sangue Latino
Uh! Uh! Uh! Uh!
Minh'alma cativa
Rompi tratados
Traí os ritos
Quebrei a lança
Lancei no espaço
Um grito, um desabafo
E o que me importa
É não estar vencido
Minha vida, meus mortos
Meus caminhos tortos
Meu Sangue Latino
Minh'alma cativa

Olhos de cão azul

"[...] De repente, um profundo rumor sacudiu as entranhas e as pezuanhas se afundaram no barro com maior força. Logo ficou imóvel durante meia hora, como se estivesse morta, mas ainda não desabara porque a impedia o costume de estar viva, o hábito de estar em uma mesma posição sob a chuva, até que o costume foi mais fraco do que o corpo. Então dobrou as patas dianteiras (erguidas , ainda , em um último esforço agônico, as ancas brilhantes e escuras) , afundou o focinho  babante no lodaçal e se rendeu , afinal , ao peso de sua própria matéria, em uma silenciosa, gradual e digna cerimônia de total desabamento. [...]"   Isabel vendo chover em Macondo

sábado, 19 de novembro de 2011

Olhos de cão Azul

"Sorriu. (Sorriu.) Mostrou - a sí mesmo - a língua. (Mostrou - ao da realidade - a língua.) O do espelho a tinha pastosa, amarela: " Você anda mal do estômago", diagnosticou (gesto sem palavras) com uma careta. Voltou a sorrir. (Voltou a sorrir. ) Mas agora ele pode observar que havia algo de estúpido, de artificial e de falso nesse sorriso que lhe era devolvido. Alisou o cabelo. (Alisou o cabelo) com a mão direita (esquerda), para, imedatamente, voltar o olhar envergonhado (e desaparecer). [...]" Diálogo do espelho

Olhos de cão azul


 "Seu pensamento ia sempre pelos úmidos corredores escuros, sacudindo dos retratos o pó seco coberto de teias de aranha. Inavariavelmente se lembrava do menino. Lá o imaginava , sonâmbulo, debaixo da grama, no pátio, junto a laranjeira , com um punhado de terra molhada dentro da boca. Parecia vê-lo em seu fundo argiloso, cavando para cima com as unhas, com os dentes , fungindo ao frio que lhe mordia as costas; procurando a saída do pátio por esse pequeno túnel onde o meteram com os caracóis. No inverno ouvia-o chorar com seu pequeno pranto, sujo de barro, transpassado pela chuva. Imaginava-o inteiro. Tal como o haviam deixado cinco anos atrás, naquele buraco cheio de água. Não podia pensar que se decompusera. Ao contrário, devia estar belíssimo navegando nessa água espessa, como em uma viagem sem saída. Ou o via vivo, mas assustado, medroso por sentir-se só, enterrado em um pátio sombrio. Ela mesma se opusera a que o deixassem ali, debaixo da laranjeira, tão perto da casa. Tinha medo. Sabia que nas horas em que a perseguisse a vígília ele o adivinharia. Regressaria pelos amplos corredores a pedir-lhe que o acompanhasse , a pedir-lhe que o defendesse desses outros insetos que estavam comendo a raiz de suas violetas. Voltaria para que o deixassem dormir  a seu lado como quando era vivo. Ela tinha medo de senti-lo de novo , depois de ter pulado o muro da morte. Tinha medo de roubar essas mãos que o menino traria sempre fechadas para aquecer seu pedacinho de gelo. Ela queria ,depois que o viu convertido em cimento , com a estátua do medo caída sobre o limo, queria que o levassem longe para não o recordar à noite.E, apesar disso, haviam-no  deixado ali, onde agora estava impeturbável, desprezível, alimentando seu sangue com o barro das minhocas. E ela tinha que se resignar  a vê-lo regressar do seu fundo das trevas. Por que sempre , invariavelmente, quando perdia o sono , punha-se a pensar no menino, que a devia estar chamando, do seu pedaço de terra para que o ajudasse a fugir dessa morte absurda. [...]" - Eva está dentro do seu gato - Gabriel García Márquez  

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Olhos de cão azul

"Agradavelmente, envolto no tíbio clima de serenidade cobiçada, sentiu a leviandade de sua morte artificial e diária. Mergulhou numa amável geografia, num mundo fácil, ideal; um mundo como que desenhado por um menino, sem equações algébricas, sem despedidas amorosas e sem forças de gravidade." Gabriel García Márquez

sábado, 12 de novembro de 2011

E ela contemplava a hélice que a fazia girar no meio do turbilhão.

domingo, 6 de novembro de 2011

"Por que nós?"

Era o rasgo.
Tomasse ácidos, quem sabe
tornar-se algo, outro
que esse lívido,
plácido, quem sabe
distante, quem sabe
o eu , conciso, lacônico, indiviso
Um algo.
Porque de nós,
mero vício
linguístico.

Encerrando ciclos

"Eu queria avançar para o começo"

Manoel de Barros