quinta-feira, 22 de maio de 2014

O nascimento do poema - Adélia Prado

O que existe são coisas,
não palavras. Por isso
te ouvirei
sem cansaço recitar em búlgaro
como olharei montanhas durante horas,
ou nuvens.
Sinais valem palavras,
palavras valem coisas,
coisas não valem nada.

Entender é um rapto,
é o mesmo que desentender.
Minha mãe morrendo,
não faltou a meu choro este arco-íris:
o luto irá bem com meus cabelos claros.

Granito, lápide, crepe,
são belas coisas ou palavras belas?
Mármore, sol, lixívia.
Entender me sequestra de palavras e de coisa,
arremessa-me ao coração da poesia.

Por isso escrevo os poemas
pra velar o que ameaça minha fraqueza mortal.

(...)