Havia um homem que se sabia tão desgraçado, tão infeliz, que resolveu vestir as roupas, os gestos, as feições de seu inimigo. Chegou a tal perfeição em sua tarefa de se tornar aquilo que mais odiava (exceto a sí mesmo) que chegou a convencer multidões por décadas e até na hora da morte quando foi enterrado pela segunda vez. Por muito tempo também não notaram que o mesmo nome pudesse ter duas covas no cemitério antigo, e só foram se dar conta quando tiveram que transportar os ossos para um novo lugar no cemitério. Dizia-se ele tão odioso, mas tão odioso de sí que chegou a acender velas e fazer sacrifícios animais, jejuar por semanas para os deuses mais sujos que arranjou, vestindo-se de branco, queimando ervas e besuntando-se com poções misteriosas que ardiam na pele. Com tantos sacrifícios deram-lhe a alcunha de santo, ainda que se fechasse em mórbidos e sangrentos rituais e não dirigisse a palavra a mais ninguém.
Abril, 2013.