sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

As cidades e o Ceú 4 (Perínzia)



“Chamados a ditar as normas para a fundação de Perinzia os astrônomos estabeleceram o lugar e o dia segundo a posição das estrelas, traçaram as linhas cruzadas do decúmano e do cardo orientadas uma como o curso do sol e a outra como o eixo em torno do qual rodam os céus, dividiram o mapa segundo as doze casas do zodíaco de modo que todo templo e todo quarteirão recebesse o justo influxo das constelações oportunas, fixaram o ponto das muralhas no qual abrir as portas prevendo que cada uma enquadrasse um eclipse da lua nos próximos mil anos. Perinzia – asseguraram – teria espelhado a harmonia do firmamento; a razão da natureza e a graça dos deuses haveriam de dar forma aos destinos dos habitantes.

Seguindo com exatidão os cálculos dos astrônomos, Perinzia foi edificada; gentes diversas vieram povoá-la; a primeira geração dos nascidos em Perinzia ficaram a crescer entre suas muralhas; e estes, por sua vez, alcançaram a idade de casar e terem filhos.

Nas ruas e praça de Perinzia todos encontram deformados, anões, corcundas, obesos, mulheres com barbas. Mas o pior não se vê; urros guturais se elevam dos porões e dos celeiros; onde as famílias escondem os filhos com três cabeças ou com seis pernas.

Os astrônomos de Perinzia se encontravam diante de uma difícil escolha: ou admitir que todos os seus cálculos são equivocados e suas cifras não conseguem descrever o céu, ou revelar que a ordem dos deuses é propriamente aquela que se espelha na cidade dos monstros.”


Cidades Invisíveis- Ítalo Calvino