sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Eu não tenho culpa de até,
respirar diferente
representação minimalista
mas tu se faz grandiosa em meu corpo
taí o desassossego
eu aqui desmoronando de segredos que só a ti
pretendia contar
esclarecimentos, minha fala grossa
Tua voz
Epígrafes, desenhos à mão
tua letra de caderno
Tua existência toda,
tem data na minha memória
única que pretendo manter
do resto me retiro
De outra água não bebo
só da tua delicada fonte.
Teu charme
de xale
e gato
no colo
Teus biscoitos de nomes esquisitos
uma cena muda, por completo, meu dialeto
meu signo
Tua assinatura
gasta em mim.
Tuas máscaras trazidas de veneza
Teu precioso terço
Teus potes de balas e doces
(únicos enfeites de cozinha após a mudança)
Tua pressa colada na minha
Tua cabeça inesperada em meu ombro
Teus olhos (sempre teus olhos)
que reconhecí - e reconheceria-
em meio à multidão
Representação minimalista
Teu jeito de sonho
Teu sono de 10 horas
O endereço de tua casa
por onde gritei teu nome nas esquinas
Representação minimalista:
Teus sapatos vermelhos
Teus quadros
Você.
Surtout, J'ai resteé un peu nostalgique
Minha pálpebra cansada
os lábios de uma mulher
a espuma do mar chegando na praia
ou os letreiros de um cinema

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Eros e Psiquê


Memória



"O melhor do amor é sua memória. O que a memória ama fica eterno. Te amo com a memória imperecível."

Adélia Prado

O A Bao A Qu


 "Para contemplar a paisagem mais maravilhosa do mundo é preciso chegar ao último andar da Torre da Vitória, em Chitor. Existe ali um terraço circular que permite dominar o horizonte inteiro. Uma escada em caracol leva ao terraço, mas só tem a coragem de subir os que não acreditam na fábula, que diz o seguinte.
Na escada da Torre da Vitória vive desde o início do tempo o A Bao A Qu, sensível aos valores da almas humanas. Vive em estado letárgico, no primeiro degrau, e só desfruta da vida consciente quando alguém sobe a escada. A vibração da pessoa que se aproxima lhe incute vida, e uma luz interior se insinua nele. Ao mesmo tempo, seu corpo e sua pele quase translúcida começam a mover-se. Quando alguém sobe a escada, o A Bao A Qu se posiciona quase nos calcanhares do visitante e sobe pendurando-se à borda dos degraus curvos e gastos pelos pés de gerações de peregrinos. A cada degrau sua cor se intensifica, sua forma se aperfeiçoa e a luz ele irradia  é cada vez mais brilhante. Comprova sua sensibilidade o fato de que ele só atinge sua forma perfeita no último degrau, quando aquele que sobe é um ser evoluído espiritualmente. Se não for, o A Bao A Qu fica como que paralisado antes de chegar, seu corpo incompleto, sua cor indefinida e a luz vacilante. O A Bao A Qu sofre quando não consegue transformar-se totalmente, e sua queixa é um rumor que mal se percebe, semelhante ao roçagar da seda. Mas quando o homem ou a mulher que o fazem reviver estão cheios de  pureza, o A Bao A Qu pode chegar até o último  degrau já completamente  formado e irradiando uma viva luz azul. Seu retorno à vida é muito breve, pois quando o peregrino desce, o A Bao A Qu rola e cai até o degrau inicial, onde, já apagado e semelhante a uma lâmina de contornos vagos, espera o próximo visitante. Só é possível vê-lo bem quando chega à metade da escada, onde os prolongamentos  de seu corpo, que, à maneira de bracinhos, ajudam-no a subir, definem-se com clareza. Há quem diga que ele olha com o corpo inteiro e quando tocado lembra a casca do pêssego. No decorrer dos séculos, o A Bao A Qu chegou uma única vez à perfeição. 
O capitão Burton registra a lenda  do A Bao A Qu em uma das notas de sua versão de As mil e umas noites."

O livro dos seres imaginários - Jorge Luis Borges

"Você é o que você ama, não quem ama você" - Adaptation

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

As cidades e a memória 4 (Zora)


"Depois de passar seis rios e três cadeias de montanhas surge Zora, cidade que quem a viu uma vez nunca mais pode esquecer.Mas não pode ela deixar como outras cidades memoráveis uma imagem fora do comum nas recordações. Zora tem a propriedade de ficar na memória ponto por ponto, na sucessão das ruas, e das casas ao longo das ruas, e das portas e das janelas das casas, embora não apresentando nelas belezas ou raridades particulares. O seu segredo é o modo como a vista percorre figuras que se sucedem como numa partitura musical em que não se pode mudar ou deslocar nenhuma nota. O homem que sabe de cor como é Zora, nas noites em que não consegue dormir imagina que anda pelas ruas e recorda a ordem em que se sucedem o relógio de cobre, o toldo à riscas do barbeiro, o repucho dos nove esguichos, a torre de vidro do astrónomo, o quiosque do vendedor de melancias, a estátua do eremita e do leão, o banho turco, o café da esquina, a travessa que dá para o porto. Esta cidade que nunca se apaga da mente é como uma armação ou um retículado em cujas casas cada um pode dispor as coisas como lhe aprouver recordar: nomes de homens ilustres, virtudes, números, classificações vegetais e minerais, datas de batalhas, constelações, partes de um discurso. Entre todas as noções e todos os pontos do itinerário poderá estabelecer um nexo de afinidades ou de contrastes que sirva de mnemónica, de referência instantânea para a sua memória. E assim é de maneira tal que os homens mais sábios do mundo são os que conhecem Zora de cor. Mas foi inutilmente que parti em viagem para visitar a cidade: obrigada a permanecer imóvel e igual a si própria para melhor ser recordada, Zora estagnou, desfez-se e desapareceu. A Terra esqueceu-a."

"Cidades Invisíveis" - Ítalo Calvino
Imagem: Pedro Cano
 

As cidades e a memória 1 (Isidora)



"O homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de uma cidade. Finalmente, chega a Isidora, cidade onde os palácios têm escadas em caracol incrustadas de caracóis marinhos, onde se fabricam à perfeição binóculos e violinos, onde quando um estrangeiro está incerto entre duas mulheres sempre encontra uma terceira, onde as brigas de galo se degeneram em lutas sanguinosas entre os apostadores. Ele pensava em todas essas coisas quando desejava uma cidade. Isidora, portanto, é a cidade de seus sonhos, com uma diferença. A cidade sonhada o possuía jovem; em Isidora, chega em idade avançada. Na praça, há o murinho dos velhos que veem a juventude passar; ele está sentado ao lado deles. Os desejos agora são recordações."


Imagem: Pedro Cano 
"Cidades Invisíveis" - ítalo Calvino


terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Ser ou não ser
é tarefa de mim mesma, e ninguém mais
(fazer nascer o sol não é tarefa de uma mulher só)
Quebrar copos
Cortar os cabelos
Não me fale em dores nem desejos
Me fale das mesas de carteado onde nunca apostei
20 mil reais
Me fale do homem de bons olhos e barba mal feita que ligou pra puta
do lado do terminal.
Ser ou não ser
é tarefa minha e de mais ninguém.
Eles que cuidem dos seus.
Dos meus, eu cuido. Eu. 
Costuro o céu com seu nome
na barra da saia dos anjos
que me olham
de revesgueio me reprovando.
Eu, cheia de amores insensatos.
mas o que seria de mim sem essa insesatez,
tão verdadeira, tão sentida,
tão minha?

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

ana cristina cesar


soneto

"Pergunto aqui se sou louca
Quem quem saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu

Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida

Pergunto aqui meus senhores
Quem é a loura donzela
Que se chama Ana Cristina

E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
Ou é um lapso sutil?"

Ana Cristina Cesar - Poética

fagulha - Ana Cristina Cesar

"Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.
Eu queria rir,chorar,
ou pelo menos sorrir
com a mesma leveza com que
os ares me beijavam.

Eu queria entrar
coração ante coração,
inteiriça.
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando.

Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.

Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.

Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.

Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio.

Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las

Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal."

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Uma pena de um pássaro - inesperada - me sai da folha
desenho com ela no meu corpo, os sentidos
Não como ele (que diz sem estar)
ainda que tenha me desenhado em nanquim
e que eu diga que as esferográficas jamais serão tão líricas.
Desenho em meu corpo a paz:
uma adaga com duas gotinhas de sangue.

aestivalis (do latim, "do verão")


lex talionis

Olhos nos olhos
Dentes nos dentes
Boca na boca
e ficamos assim:

Olho por olho,
Dente por dente.

Nota:

A palavra "paz" em japonês é uma adaga - pode conferir - uma adaga com duas gotinhas de sangue.

E as tuas medalhas serão prendas mortas de um passado de ninguém.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

domingo, 15 de dezembro de 2013

Kwango Shin


Selfportrait and Wife-portrait - Zdzislaw Beksinski



Eu limpo os pés no corpo da decisão.
Lembro bem dela debruçada sobre o balcão dizendo que amava rosas champagne, que eram as suas preferidas, e eu , embevecida daquela substância que existe sempre que estou com ela lhe perguntei: "As preferidas na categoria rosa, ou na categoria flor?" ela me olhou e então disse que era na categoria "rosa"; aproveitou para me dizer que aquela era a floricultura onde sua mãe sempre ia comprar flores, porque moravam ali perto. Coincidentemente, a floricultura ficava bem atrás do prédio onde viria morar, uns dois anos depois.

sábado, 14 de dezembro de 2013

"Quero morrer, Simeona, melhor morrer do que saber o coração crivado de vespas, que jubilança me cabe se um sem-fim de paixões me fazem as tripas espremidas?"

Hilda Hilst

Diego on my mind - Frida Kahlo



quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O pássaro azul




"Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito duro com ele,
eu digo, fica aí dentro, não vou deixar
ninguém
te ver.

Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky nele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os garçons dos bares
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele está
ali.

Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito duro com ele,
eu digo,
fica quietinho, você quer
me confundir?
quer estragar o
meu trabalho?
quer arruinar as minhas vendas de livros
na Europa?

Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito esperto, só o deixo sair
às vezes à noite
quando todos estão dormindo.
eu digo, eu sei que você está aí,
então não fique
triste.
Depois coloco-o de volta,
mas ele canta baixinho
aqui dentro, não o deixo morrer
completamente
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é agradável o suficiente
para fazer um homem
chorar, mas eu
não choro,
e você?"

Charles Bukowski

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Lograr, e os santos que estejam comigo! e desejo bem até para os meus inimigos, à todos, amém.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A fumaça azul-esbranquiçada faz rabiscos abstratos no ar.
São doces redemoinhos.
Meus dedos se queimam
e o papel se contrai.
O meu corpo todo se deleita no "prazer perfeito"
(Discordo da definição, mas ainda assim, Oscar Wilde)
Ouço "Take Five", - quase um mantra, penso.
Não esquento lugar onde há paz,
brigo até mesmo com os deuses,nos sonhos.
Penso "Dave Brubeck sabia mesmo o que estava fazendo,
não é um charlatão como eu , ou como muitos."
Ainda assim sei que há poucos gênios,por isso não me culpo,
hoje eu aceito quem eu sou, e celebro a mim mesmo.
Aprendi com o mestre, aprendi com Whitman.

domingo, 8 de dezembro de 2013

"Eu só amo aqueles que vivem como se estivessem para se extinguir."

F. Nietzsche
O inferno e o céu de todo dia.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O astrônomo

"Quando ouvi o astrônomo erudito,
Quando as provas, os números foram enfileirados diante de mim,
Quando me foram mostrados os mapas e diagramas a somar, dividir e medir,
Quando, sentado, ouvia o astrônomo muito aplaudido, na sala de conferências,
Senti-me logo inexplicavelmente cansado e enfermo,
Até que me levantei e saí, parecendo sem rumo
No ar úmido e místico da noite, e repetidas vezes
Olhei em perfeito silêncio para as estrelas."

Walt Whitman

"Casas e quartos se enchem de perfumes…
as estantes estão entulhadas de perfumes,
Respiro o aroma eu mesmo, e gosto e o reconheço,
Sua destilação poderia me intoxicar também, mas não deixo.
A atmosfera não é nenhum perfume…"

Walt Whitman

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

"Seguindo
A passos lentos,
Vou acompanhada
Pela esperança...
O olhar sempre atento
Em tudo
E aonde a vista alcança."

Inês Roani
"Faz o que deves, está no que fazes. 
Cumpre o pequeno dever de cada instante.  
Transforma em decassílabo heroico a prosa diária"

J. M. Escrivá

domingo, 1 de dezembro de 2013

Não seria um tão errado eu me pôr, assim, no lugar dos deuses?