"Sim, mas quem nos curará do fogo surdo, do fogo sem cor que corre ao anoitecer pela Rue de la Huchette, saindo dos portais carcomidos, dos pequenos vestíbulos, do fogo sem imagem que lambe as pedras e espreita nos vãos das portas, como faremos para nos lavar da sua queimadura doce, que persiste, que aloja para durar, aliada ao tempo e à recordação, à substâncias pegajosas, que nos retêm deste lado, e que nos queimará até nos calcinar? Então é melhor compactuar como os gatos e musgos, travar amizade imediata com as porteiras de roucas vozes, com as criaturas pálidas e sofredoras que vigiam às janelas, brincando com um ramo seco. Ardendo assim, sem tréguas, suportando a queimadura central que avança como a madurez paulatina no fruto, ser o pulso de uma fogueira neste emaranhado de pedra interminável, caminhar pelas noites da nossa vida com a obediência do sangue em seu cego circuito."
Júlio Cortázar