sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Concebe um mínimo movimento, a estátua
Não consegue se curvar sobre nada sem perder o equilíbrio
Continua a ser um fantasma em carne viva
Come, ingere, excreta, respira
Vá ser glutona, bem burguesa, bem sacana,
Entre lençóis da Dinamarca e uvas importadas,
Os dias tem mais horas do que pode conter
E os dias.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

"Ao certo foste feito com alguma perfeição,
Coragem, destemor, em ti se conciliam,
Se em ti tens confiança e fé, convicção
Em ti todas as almas , enfim,
também confiarão."

Fausto - Goethe

"Até breve! Até sempre!", disse-me ele, "e assim seguimos nos reinventando"

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

"Com que forças agitas a tantos corações?
com que força domina o Elemento disperso?
não surgem de seu peito as ternas vibrações,
não é no coração que palpita o Universo?"

Fausto - Goethe
"O que o tolo devora é bem celestial
E move-o, sem dúvida, ânsia do Infinito.
De que é louco talvez ande mesmo ciente,
Quer do céu as estrelas, esse pobre aflito.
E da Terra os prazeres, todos busca e sente."

Fausto - Goethe
Sim, são as variantes.
Se eu tivesse feito cálculo integral
talvez pudesse escrever poesia.
Talvez fizesse mais do que isso,
talvez pudesse me conjugar no plural.
Mas não rimam, não rimam, as criaturas.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

"Segundo a mitologia dos egípcios, Abtu e Anet são dois  peixes idênticos e sagrados que vão nadando na frente do barco de Ra, deus do Sol, para avisá-lo de todo o perigo. Durante o dia, o barco viaja pelo céu, do nascente para o poente; durante a noite, debaixo da terra, na direção oposta."

O livro dos seres imaginários - Jorge Luis Borges

"O mundo não vale o mundo, meu bem" C.Drummmond de Andrade

O horror cavou fundo
encontrou lugar nela também
no meio do mato
numa fazenda afastada da civilização.
eu quis chorar à nossa triste condição
                                                             de sermos
                                                                homens.
As coisas assim, tão claras, diáfanas
Queria dar à dor um nome.
Não achou.
E só queria um nome...

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

"[...]Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã"

Carlos Drummond de Andrade

Presença - Helena Kolody


"Coragem de andar
sobre os precipícios
sem desfalecer
entre labaredas
mas não se queimar
com os violentos e os indiferentes
no mundo inimigo
sem deixar de amar."
Escreveu: "A coragem é uma virtude, ela disse desequilibrando-se." Eu quis dizer, e ela sabia: "Coragem não se diz assim, na ponta dos pés; Coragem se diz com firmeza, com pés, pernas-colunatas, coragem diz de quem é formado no fogo, ígneo mineral, coragem-Lusitana, dos mares inexplorados, coragem-ave, dos galhos em que se lançam, coragem, da própria força de sonhar, coragem, de quem domina sua fúria, coragem dos santos benevolentes, coragem dos puros, coragem Hercúlea, dos semi-deuses (...)

domingo, 18 de agosto de 2013

Não pense que é de graça não, porque esta pena que os beatos se infligem é menor que os seus pecados, os santos e seus martírios receberam bem a mortificação, pois a fé é uma traição, à carne, à terra, e aqui não cabe céu nenhum, não vê?
Se ouves vozes de outro mundo é porque tens ouvidos muito atentos ao que está longe, e ter ouvidos assim apurados descompromete com o que se está perto, os assim sedentos.
Todos esses desejos sem mãos para agarrá-los? ai, deixá-los cá soltos? Não, desse jeito, com as costas limpas, não há de ficar! Já pensou quão egoísta é estar assim, e trancar o corpo para os outros?
Tranca-se o corpo, Tranca-se a alma também, 
por que essa é como o vento que nos dá os gestos, e vai nos moldando os traços do rosto.
Pois então porquê é que você não abandona esse deus que todo dia te abandona e vem correr pros braços meus? estes, que já estão meio curvados de tanto esperar?
Veja os olhos de minha avó, eles são a prova,
nem ela sabe mais esperar a morte, quanto mais
a salvação...

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Tu estás entre os homens, tens de conhecer as barganhas, e saber domar: palavras e desejos.

"Nostalghia" - Andrei Tarkovski


"-Qual ancestral fala através de mim?
Eu não posso viver ao mesmo tempo com a minha cabeça e o meu corpo.
Por isso não consigo ser uma só pessoa.
Sou capaz de sentir infinitas coisas ao mesmo tempo.
O grande mal do nosso tempo é não haver mais mestres.
A estrada de nosso coração está coberta de sombras.
Devemos ouvir as vozes que parecem inúteis,
e que no cérebro cheio de coisas aprendidas na escola, no asfalto, na prática assistencial,
e com o zumbido dos insetos que entram na minha orelha.
Precisamos encher os olhos e as orelhas daquelas coisas que existem no início de um grande sonho.
Todos devem gritar que construiremos uma pirâmide,
não importa se não a construiremos!
o que importa é alimentar os desejos.
Temos que tirar a alma de todas as partes, como se fosse um lençol que cobre o infinito
para o mundo ir em frente,
devemos dar as mãos , misturar os sãos dos que são chamados loucos.
Ei vocês! Sãos! o que significa a sua saúde?
Todos os olhos do mundo veem o precipício em que estamos caindo.
A liberdade é inútil se não tem coragem de olhar com os olhos da cara e de comer e beber e dormir conosco.
São os assim chamado sãos que foram os que conduziram o mundo para a catástrofe.
Homem, escute!
Em você, água, fogo,
e depois cinzas.
E os ossos entre as cinzas.
Os ossos e as cinzas.

Onde estão, quando não estão na realidade e nem na minha imaginação?
Faço um novo pacto com o mundo,
que haja sol à noite,
e que neve em agosto,
que as coisas grandes acabem e só fiquem as pequenas.
A sociedade deve se unir novamente e não continuar assim, fragmentada.
Vamos observar a natureza pois a vida é simples.
Devemos voltar ao começo,
ao exato ponto onde pegamos o caminho errado.
Devemos voltar às bases principais da vida,
sem sujar a água.
Que raio de mundo é esse se um louco lhes diz que devo envergonhar-me?
Oh mãe! Oh mãe!
O ar é aquela coisa rápida, que gira em torno da cabeça
e torna mais clara, quando se ri.
Música agora."

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A flecha




"Já não é o arqueiro que atira a flecha; o interior da natureza é que irrompe do mundo através da ausência perfeita do ego do arqueiro e solta a corda retesada" Da Natureza Humana -E. O. Wilson

Obs: É por que se deixa ser guiado por forças ocultas, e nem por isso cegas, e nem por isso belas ou não belas, mas são elas, sua causa, seu propósito, sua ordem.

E é assim que se desapropria-se de uma idéia, a partir da degeneração, da retração da nossa própria alma (se ainda conseguir alcançá-la, resgatá-la)

E o arqueiro adentra na sala: A flecha tolamente disparada, ainda a sente em seus dedos, embora não mais a tenha (embora nunca a tenha pertencido)

E ele é, sem perceber, a própria flecha, lançada contra o interior dos ventos, puxada pela gravidade, sem acerto, entregue a inércia do movimento, não interrompido, sem anteparo, sem aconchego, em sua melhor definição...mas ainda paira sobre o ar... 


Foto: Instalação de Ivan Kafka em Praga "De nenhum lugar para nenhum lugar"
Para quem tem medo dos silêncios, as palavras são bons esconderijos.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

"O que é que eu vou fazer agora com meus lábios sem sua boca para enchê-los? o que é que eu vou fazer dos meus lábios doloridos?"

Juan Rulfo - "Pedro Páramo"
"A paz não tardou a retornar, porque neles o amor se nutria da luta e do desespero."

Murilo Rubião - "A Flor de Vidro"

O ex-mágico da taberna de minhota - Murilo Rubião


 "Quase sempre, ao tirar o lenço para assoar o nariz, provocava o assombro dos que estavam próximos, sacando um lençol do bolso. Se mexia na gola do paletó, logo aparecia um urubu. Em outras ocasiões, indo amarrar o cordão do sapato, das minhas calças deslizavam cobras. Mulheres e crianças gritavam. Vinham guardas, ajuntavam-se curiosos, um escândalo. Tinha de comparecer à delegacia e ouvir pacientemente da autoridade policial ser proibido soltar serpentes nas vias públicas.

Não protestava. Tímido e humilde mencionava a minha condição de mágico, reafirmando o propósito de não molestar ninguém.

Também, à noite, em meio a um sono tranqüilo, costumava acordar sobressaltado: era um pássaro ruidoso que batera as asas ao sair do meu ouvido.

Numa dessas vezes, irritado, disposto a nunca mais fazer mágicas, mutilei as mãos. Não adiantou. Ao primeiro movimento que fiz, elas reapareceram novas e perfeitas nas pontas dos tocos de braço. Acontecimento de desesperar qualquer pessoa, principalmente um mágico enfastiado do ofício."

Ilustração: Evandro Marenda

O ex-mágico da taberna de minhota - Murilo Rubião


"Não me conforta a ilusão. Serve somente para aumentar o arrependimento de não ter criado todo um mundo mágico."


Ilustração: Evandro Marenda
Treinei-me para ser dócil.
Hoje chamaram-me de benzedeira, futura reikiana, que eu tenho um dom.
Eu, que nem bem sei uma oração. Já disse?
Deve ser peste isso que chamam de energia nas minhas mãos.
Como naquele sonho em que morria, aprendi a morrer.
O mundo é cheio de interpretações.

Treinei-me para ser dócil, mas a selvageria está trancada dentro de mim.
Está dentro de todos.
As vezes ela se manifesta, em emaranhados e emaranhados.

Estou amadurecendo, preciso de certas convicções,
não sobre o mundo, mas sobre mim mesma.
"Há de firmar os passos pois a terra, esta ninguém há de firmar"
E tenho me firmado, consentido a firmeza
o que me falta é me desamarrar
e consentir enfim a leveza.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

"Olha só como se remexe, como não encontra posição. É capaz de já não estar mais aguentando a própria alma."

Pedro Páramo - Juan Rulfo

"Sou uma coisa que não atrapalha ninguém. Você está vendo, não roubei sequer o seu espaço na terra. Me enterraram na sua sepultura e eu coube muito bem no oco dos seus braços. Aqui neste canto onde me tem agora. Só acho que era eu é que devia ter você abraçado a mim. "

Pedro Páramo - Juan Rulfo
"E abri a boca para que fosse embora. Ela foi. Senti quando caiu nas minhas mãos o filete de sangue com que estava amarrada ao meu coração."

Pedro Páramo - Juan Rulfo
"Fazia tantos anos que eu não levantava a cabeça que me esqueci do céu. E se o tivesse feito o que teria ganho com isso? O céu está tão alto e meus olhos tão sem visão que vivia atisfeita de saber onde ficava a terra [...]"

"Pedro Páramo" - Juan Rulfo

O Mar

"Eu voltei. Voltaria sempre. O mar molha meus tornozelos e vai embora; molha os meus joelhos, as minhas coxas; rodeia a minha cintura com seu braço suave, dá a volta sobre os meus seios, abraça-se ao meu pescoço; aperta-me os ombros. Então me fundo com ele, inteira. Entrego-me a ele no seu quebrar forte, na sua posse suave, sem deixar sobras. "Gosto de tomar banho de mar - disse a ele." Mas ele não entende. E no dia seguinte estava outra vez no mar, me purificando. En tregando-me às suas ondas. "


"Pedro Páramo" - Juan Rulfo

"Descubra em seu movimento forças não sabidas" C. Drummond de Andrade

Eu gosto dos mangues, essa luta entre a raiz e as águas.
Natureza é isso: Sobrevivência.
E nós aqui na cidade: a luta entre o concreto e os pés.
Lançar-se sobre todas as coisas, como as aves se lançam ao vôo e as aves marinhas se lançam ao mar.
Pertencer, deixar-se ser pertencido, não como pertences,
como se prende em liberdade. Coragem.

Recortes

Essas folhas douradas que a água traz, cor de bronze. Embaixo, um mar negro suspende as folhas
 Um mar negro e brilhante
Uma mulher já antiga vende cocadas no porto
A marina cheia de barcos que não vão zarpar
O vento sacode as bandeiras e os fios de cabelo
Marinheiros esperam a próxima viagem
O azul do céu contrastando com filetes verde-amarelo- luminoso
O reflexo do mar nos cascos, na proa
Dona Domingas espanta os cachorros
Chama eles de vagabundos
Ela não gosta deles porque um deles arrranca as roupas limpas do varal para dormir nelas.
Seu Pocidônio diz "Glória Deus", ele sempre diz isso, sempre diz.
Um pescador está próximo
não está com sorte hoje, porque não pescou nada
Ver o mar dá Vertigem,
a gente se segura mas parece que vai sempre mergulhar
Manguezais também me circundam
A irresistível sensação de deixar tudo para trás.
(Mas seria justo se eu me deitasse a teus pés como um animal ferido?)

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Liberdades maiores são sustentadas por pequenas, mas importantes, prisões.

Costuro o infinito sobre o peito


"costuro o infinito sobre o peito
e no entanto sou água fugidia e amarga
e sou crível e antiga como aquilo que vês:
pedras, frontões no Todo inamovível.
Terrena, me adivinho montanha algumas vezes.
Recente, inumana, inexprimível.
Costuro o infinito sobre o peito.
Como aqueles que amam.


(H.Hilst)

domingo, 4 de agosto de 2013

O Horror é uma perspectiva, que não pode ser ignorada mas nem por isso celebrada, pois o horror é um sintoma que toca as coisas fundas, as coisas sérias; E a seriedade não deve ser posta à prova.
Não há bravura em dizer algo senão por meio da virtude; A moral tem implicações estéticas pois em última estância: o belo é o bom.
Aquele que pinta seus pesadelos sente um prazer irresistível ao pintá-los, um prazer irresistível de ver seus monstros nítidos sobre o papel.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

das arquiteturas...

"Amanhã o vento irá encher de rubor o palácio. Toda a construção se envergonha perante o mais breve movimento da natureza.
O vento exibe a viagem que as coisas pesadas não conseguem.
Pleno de segurança, o palácio só deseja cair."

Gonçalo Tavares

recorte

-Quero ser leve! Pombas! *
(interjeição afirmativa injuriada)...
-Então porque não me ata alada à tua perna?