segunda-feira, 30 de abril de 2012

Conselho dos Orixás


Ogum soube me dizer melhor do que eu para mim, disse: Buscar suavidade na existência, e que a paz que eu queria nem era paz, ou que eu nem sabia o que era, mas que eu não devia pensar em nada agora, e assim tem sido.

domingo, 22 de abril de 2012

Que força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
  Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
  Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também

quinta-feira, 19 de abril de 2012

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Resposta a Maria Rilke

A definição não vale nada. O que importa é a poesia das coisas.

Pagã , triste e com flores no regaço

Era o poema mais belo de Pessoa.


Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.



(Enlacemos as mãos.)



Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,



Mais longe que os deuses.



Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente



E sem desassosegos grandes.



Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,



E sempre iria ter ao mar.



Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro



Ouvindo correr o rio e vendo-o.



Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,



Pagãos inocentes da decadência.



Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos



Nem fomos mais do que crianças.



E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,



Pagã triste e com flores no regaço.



Ricardo Reis, 12-6-1914 

terça-feira, 17 de abril de 2012

O coronel perde a guerra , capítulo II

Depois de ter a perna amputada o Coronel ainda havia passado maus bocados: cicatrizava com dificuldade, contraía fortes dores de cabeça e de noite, ardia febrilmente em sua cama. A mulher, deseperada mandou chamar o médico:

-Diga Doutor, não me deixe assim agoniada!
E com um olhar que se misturava entre a pena e o desprezo, ele disse:
- Para este sujeito aí , era melhor ter chamado um agente funerário. Não há nada mais o que fazer Coronel, uma reza forte e uma sangria pra não perder o costume. Dê adeus aos seus mais queridos. Rezo pelo senhor também esta noite.
E o coronel, do alto de seu orgulho ferido tanto ou mais que o próprio corpo revidou:
- Pois pode guardar suas orações Doutor! Que eu não vou dar o luxo da minha morte a ninguém!

E assim se levantou da cama num pulo magistral caindo em uma perna só e com a mão no peito, disse:
- Ouça bem Doutor, eu hei de me curar, nem que seja pra me vingar de um deus qualquer, hei de me curar , nem que faça pacto com o demônio!

E olhando bem nos olhos dele, triunfou absoluto:
- Porque morrer eu não morro!...Nem se estiver morto!

Decrepitude

A cada dia conhecia uma modalidade nova de decrepitude. Fazer o quê? Mais vale ser um morto-vivo por inteiro que um vivo pela metade.

Do livro do Desassossego

"Arranco do pescoço uma mão que me sufoca. Vejo que na mão, com que a essa arranquei, me veio preso um laço que me caiu no pescoço com o gesto de libertação. Afasto, com cuidado, o laço, e é com as próprias mãos que quase me estrangulo."

 Fernando Pessoa

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Ajeitando as idéias

Balançou a cabeça para ajeitar as idéias dentro dela, parou no centro para ver se encontrava o equilíbrio...Depois disso saiu cambaleando por aí.

sábado, 14 de abril de 2012

Poema do Beco

"Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco." Manuel Bandeira

persistir não dedicar poemas nem escrever bem pois não sei se quero lembrar nem permitir ser lembrada pois o que há de mais triste nas coisas nos objetos é que eles persistem mesmo que a gente não sabe-se lá do amanhã sei que a vida é pouca mesmo que dure muito e persistem os porta-retratos os livros os estojos de maquiagem os cadernos escritos a mão as roupas não há mar suficiente não há mar e isso ela descobriu olhando que se afastava e era isso que ela desconfiava quando sem o tocar era isso que duvidava se existia e persistia  e pendurava os olhos no mar e o fitava porque era pouco pouco pouco e de nada adiantava querer prender o mar nas vistas e assistir o mar que não havia e que era pouco e que ela tentava alcançar com os olhos e não havia mar não havia mar
                                    só havia o beco.

Ela não sabe pedir desculpas e eu não sei fazer elogios


Ela não sabe pedir desculpas e eu não sei fazer elogios.

A minha má sorte está em esquecer, como naquela noite em que negou-me uma dança, sendo que havia dito que nunca se pode negar uma dança a quem quer que seja.

Pouco importa, sei que dançaríamos mal, eu com minha inabilidade clássica, ela com seu jeito típico.

E me chamaria de sem graça, rindo comigo.

Imagem: M.C. "e um dia afinal, tinham direito a uma alegria fugaz"

terça-feira, 10 de abril de 2012

sábado, 7 de abril de 2012

Azul celeste


Naquele dia haviam tantos pássaros no céu que haviam começado disputas entre lugares na copa das árvores, e o sol ardia tão lentamente ao meio-dia, que até as nuvens haviam se refugiado nos recôncavos secretos do azul celeste.

Mise en Scène Diária

Dá-se pouca ou nenhuma credibilidade aos poetas.
Aos atores então, nem se comenta.
Pelo menos estou sóbria
Mesmo com meu juízo imperfeito.

Equanimity

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Nekkhamma

Mas a cada dia se confirmam mais as minhas desconfianças, legados do outono.

Hoje sou testemunha de uma serenidade que ela nunca jamais soube, ou saberia entender.

Samsara

Meu corpo exausto impede-me de desejar. Meu corpo, e minha alma.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Mas não

Já me basta minha própria contradição, a confusão de outra alma viria a aniquilar-me.


Pois afinal de contas, que céu virá satisfazer meu/teu sonho de céu?

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Clareza é inegociável

"Clareza é inegociável" e assim havia dito também sobre a realidade. Mas era tão pouco clara, gostava mesmo é de dizer, transparecendo o indefinível *. O problema está em não seguir o seu próprio discurso. Poderia a contradição dela caber dentro da minha realidade? Talvez não fosse sua culpa, encantava-se com tudo, ou detestava, tudo lhe fazia sentir,e o importante eram os detalhes: um copo, um abraço, um livro que nunca fora devolvido, um sotaque, qualquer coisa, enquanto eu me encantava tão pouco, distraía-me com facilidade, deixava tudo escapar-me pelas mãos, e me vendia por tão pouco, sem me deixar render ao gesto, só ao hábito.

 *o mesmo poderia dizer-se sobre seus olhos, os quais relutei em me fixar diversas vezes, outras em que me perdi desesperadamente, sem sequer saber no quê.