domingo, 12 de abril de 2015

RIMBAUD - carta do vidente






“[...] Pois EU é um outro. Se o cobre amanhece clarim, não é culpa dele. Isso para mim é  evidente: eu assisto à eclosão do meu pensamento. Eu a olho eu a escuto: meu arco toca a  corda: a sinfonia se agita nas profundezas, ou vem de um salto em meio à cena.[...]

O poeta se faz vidente por um longo, imenso e pensado desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele busca a si mesmo, ele exaure em si mesmo todos os venenos, para então guardar apenas as quintessências. Inefável tortura na qual necessita de toda a fé, toda a força sobre-humana, onde ele se torna entre todos o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito, – e o supremo sábio! – pois ele chega ao desconhecido! uma vez que ele cultivou sua alma, já rico, mais que todos! Ele chega ao desconhecido, e quando, enlouquecido, ele acabaria por perder a inteligência de suas visões, ele as viu! Que ele estoure em seu sobressalto pelas coisas inaudíveis e inomináveis: virão outros horríveis trabalhadores; eles começarão pelos horizontes onde o outro se abateu! [...]

Recomeço:
Logo, o poeta é um verdadeiro roubador do fogo.
Responde pela humanidade e até pelos animais; deverá fazer com que suas invenções sejam cheiradas, ouvidas, palpadas; se o que transmite do fundo possui forma, dá-lhe forma; se é informe, deixa-o informe. Encontrar uma língua;
– Afinal, como toda palavra é ideia, a linguagem universal há de chegar um dia. É preciso ser acadêmico – mais morto que um fóssil – para elaborar um dicionário, em que língua seja. Os fracos que se pusessem a pensar sobre a primeira letra do alfabeto poderiam rapidamente mergulhar na loucura! –
Essa língua será da alma para a alma, resumindo tudo, perfumes, seres, sons: pensamento que se engancha a um pensamento e o puxa para fora. O poeta seria o indicador da qualidade de desconhecido despertada em seu tempo na alma universal; daria mais: a fórmula de seu pensamento, a notação de seu avanço no Progresso! Enormidade se fazendo norma, absorvida por todos, ele seria verdadeiramente um multiplicador de progresso!
Esse futuro será materialista, como vê; – Sempre repleta, de Número e de Harmonia, essa poesia será feita para ficar. – No fundo, seria ainda um pouco a Poesia grega.
A arte eterna terá suas funções, já que os poetas serão cidadãos. A Poesia não marcará mais o ritmo da ação; ela estará na frente.
Esses poetas virão! Quando for quebrada a servidão infinita da mulher, quando ela viver para si e por si mesma, quando o homem – até então abominável – lhe tiver dado sua alforria, também ela será poeta! A mulher encontrará o ignoto! Seu mundo de ideias diferirá do nosso? – Ela encontrará coisas estranhas, insondáveis, repelentes, deliciosas; nós as tomaremos, as compreenderemos. [;;;]