“[...] Pois EU é um outro. Se o cobre
amanhece clarim, não é culpa dele. Isso para mim é evidente: eu assisto à eclosão do meu
pensamento. Eu a olho eu a escuto: meu arco toca a corda: a sinfonia se agita nas profundezas, ou
vem de um salto em meio à cena.[...]
O poeta se faz vidente por um
longo, imenso e pensado desregramento de todos os sentidos. Todas as formas
de amor, de sofrimento, de loucura; ele busca a si mesmo, ele exaure em si
mesmo todos os venenos, para então guardar apenas as quintessências. Inefável
tortura na qual necessita de toda a fé, toda a força sobre-humana, onde ele se
torna entre todos o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito, – e o
supremo sábio! – pois ele chega ao desconhecido! uma
vez que ele cultivou sua alma, já rico, mais que todos! Ele chega ao
desconhecido, e quando, enlouquecido, ele acabaria por perder a inteligência de
suas visões, ele as viu! Que ele estoure em seu sobressalto pelas coisas
inaudíveis e inomináveis: virão outros horríveis trabalhadores; eles começarão
pelos horizontes onde o outro se abateu! [...]
Recomeço:
Logo, o poeta é um verdadeiro roubador do fogo.
Responde pela humanidade e até pelos animais; deverá fazer com que suas
invenções sejam cheiradas, ouvidas, palpadas; se o que transmite do fundo possui forma, dá-lhe forma; se
é informe, deixa-o informe. Encontrar uma língua;
– Afinal, como toda palavra é ideia, a linguagem
universal há de chegar um dia. É preciso ser acadêmico – mais morto que um
fóssil – para elaborar um dicionário, em que língua seja. Os fracos que se
pusessem a pensar sobre a primeira
letra do alfabeto poderiam rapidamente mergulhar na loucura! –
Essa língua será da alma para a alma, resumindo
tudo, perfumes, seres, sons: pensamento que se engancha a um pensamento e o
puxa para fora. O poeta seria o indicador da qualidade de desconhecido
despertada em seu tempo na alma universal; daria mais: a fórmula de seu
pensamento, a notação de seu avanço no
Progresso! Enormidade se fazendo norma, absorvida por todos, ele seria
verdadeiramente um multiplicador de
progresso!
Esse futuro será materialista, como vê; – Sempre
repleta, de Número e de Harmonia, essa poesia será feita para
ficar. – No fundo, seria ainda um pouco a Poesia grega.
A arte eterna terá suas funções, já que os poetas
serão cidadãos. A Poesia não marcará mais o ritmo da ação; ela estará na frente.
Esses poetas virão! Quando for quebrada a servidão
infinita da mulher, quando ela viver para si e por si mesma, quando o homem –
até então abominável – lhe tiver dado sua alforria, também ela será poeta! A
mulher encontrará o ignoto! Seu mundo de ideias diferirá do nosso? – Ela
encontrará coisas estranhas, insondáveis, repelentes, deliciosas; nós as
tomaremos, as compreenderemos. [;;;]