"I
A ideia, Túlio, foi se fazendo
Em mim. Era alta a lua, e aberta
A porta escura da minha casa vazia.
Te pensei. E na minha alma fez-se
Um gosto licoroso, mordedura
Mais doce do que a própria ventura
De existir
E te pensando foi subindo a lua
E vivendo meu instante fui te vendo
Da minha vida cada vez mais perto.
A ideia, Túlio, redonda, esboçada
Em azul, em ocre e sépia
Era a tua vida em mim, circunvolvida.
II
E circulando lenta, a ideia, Túlio
Foi se fazendo matéria no meu sangue.
A obsessão do tempo, o sedimento
Palpável, teu rosto sobre a ideia
Foi nascendo
E te sonhei na imensidão da noite
Como os irmãos no sonho se imaginam:
Jungidos, permanentes, necessários
E amantes, se assim se faz preciso.
Tocar em ti. Recriar castidade
Não me sabendo casta, ser voragem
Ser tua, e conhecendo
Ser extensão do mar na tua viagem.
(...)
IV
E quanto mais te penso, de si mesma
Se encanta a minha ideia. Vertiginosa
E tensa como a flecha, contente de ser viva
Te procura
(...)
A ideia, Túlio, essa ilha escondida
É límpida, encantada, se faz prata
Vive através de ti. Por isso brilha."
Hilda Hilst - "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão"