sábado, 8 de fevereiro de 2014

Moderato Cantabile

"I

A ideia, Túlio, foi se fazendo
Em mim. Era alta a lua, e aberta
A porta escura da minha casa vazia.
Te pensei. E na minha alma fez-se
Um gosto licoroso, mordedura

Mais doce do que a própria ventura
De existir
E te pensando foi subindo a lua
E vivendo meu instante fui te vendo
Da minha vida cada vez mais perto.

A ideia, Túlio, redonda, esboçada
Em azul, em ocre e sépia
Era a tua vida em mim, circunvolvida.

II

E circulando lenta, a ideia, Túlio
Foi se fazendo matéria no meu sangue.
A obsessão do tempo, o sedimento
Palpável, teu rosto sobre a ideia

Foi nascendo

E te sonhei na imensidão da noite
Como os irmãos no sonho se imaginam:
Jungidos, permanentes, necessários
E amantes, se assim se faz preciso.

Tocar em ti. Recriar castidade
Não me sabendo  casta, ser voragem
Ser tua, e conhecendo

Ser extensão do mar na tua viagem.

(...)

IV

E quanto mais te penso, de si mesma
Se encanta a minha ideia. Vertiginosa
E tensa como a flecha, contente de ser viva

Te procura

(...)

A ideia, Túlio, essa ilha escondida
É límpida, encantada, se faz prata
Vive através de ti. Por isso brilha."

Hilda Hilst - "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão"