sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

    "Segue o teu destino,
    Rega as tuas plantas,
    Ama as tuas rosas.
    O resto é a sombra
    De árvores alheias.

    A realidade
    Sempre é mais ou menos
    Do que nós queremos.
    Só nós somos sempre
    Iguais a nós-próprios.
    Suave é viver só.
    Grande e nobre é sempre
    Viver simplesmente.
    Deixa a dor nas aras
    Como ex-voto aos deuses.
    Vê de longe a vida.
    Nunca a interrogues.
    Ela nada pode
    Dizer-te. A resposta
    Está além dos deuses.
    Mas serenamente
    Imita o Olimpo
    No teu coração.
    Os deuses são deuses
    Porque não se pensam.
    "

    Ricardo Reis, 1-7-1916

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014


Tu és o que tu és. Só tu poderá contigo. O mundo é "ora lento ora ligeiro", só tu podes prosseguir harmoniosa com tua própria velocidade.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Devo me entregar à tudo! Qualquer resquício de partícula vital é a minha casa.
Mas sou escrava, do que sinto e do que não sinto.
Danço com os fenômenos, mas quem poderá com a minha dança?
Quem estará alinhado comigo nesta impermanência?

Eu agradeço pela sabedoria e pelo contentamento saber-me estar abraçada pela matéria e pelo mistério.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

"E a que se fez criança, tece a rosa.
E criança também, uma mulher
Contida de silêncio e de memória,
Espera o plenilúnio e elabora
uma saga de sol."

Hilda Hilst
"O peito era maior que o céu aberto.
Parávamos. E sabeis
Que o que contenta mais o peito inquieto

É olhar ao redor como quem vê
E silenciar também como quem ama."

Hilda Hilst
"De delicadezas me construo.Trabalho umas rendas
Uma casa de seda para uns olhos duros.
Pudesse livrar-me da maior espiral
Que me circunda e onde sem querer me reconstruo!
Livrar-me de todo olhar que quando espreita, sofre
O grande desconforto de ver além dos outros.
Tenho tido esse olhar. E uma treva de dor
Perpetuamente
Do êxodo dos pássaros, do mais triste dos cães,
De uns rios pequenos morrendo sobre um leito exausto.
Livrar-me de mim mesma. E que para mim construam
Aquelas delicadezas, umas rendas,uma casa de seda
Para meus olhos duros."

Hilda Hilst - "Trajetória Poética do Ser (I) (1963-1966)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

"Que sim. O reluzente da vida, o casco da tua barca, matéria arcoirizada,

é que empresta qualidade às águas."


Hilda Hilst


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

"O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,

com seus olhos cediços,

põe caco de vidro no muro

para o amor desistir.

O amor usa o correio,

o correio trapaceia,

a carta não chega,

o amor fica sem saber se é ou não é.


O amor pega o cavalo,

desembarca do trem,

chega na porta cansado

de tanto caminhar a pé.

Fala a palavra açucena,

pede água, bebe café,

dorme na sua presença,

chupa bala de hortelã.

Tudo manha, truque, engenho:

é descuidar, o amor te pega,

te come, te molha todo.

Mas água o amor não é."

Adélia Prado

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Deita-te. Laça-me os pés. Beija-me os passos, para o cárcere da minha volta.

"Tranca-me. Teus ares de luta
têm o corpo dos pátios devastados
Esses que se sonharam cordas
E por que não cadeados de volúpia?

Deita-te.
Laça-me os pés. Beija-me os passos
Para o cárcere da minha volta.
Sonha navios. Ocasos.
Sonha-me trancado. Teu."

Hilda Hilst - Estar sendo. Ter sido.

Moderato Cantabile

"I

A ideia, Túlio, foi se fazendo
Em mim. Era alta a lua, e aberta
A porta escura da minha casa vazia.
Te pensei. E na minha alma fez-se
Um gosto licoroso, mordedura

Mais doce do que a própria ventura
De existir
E te pensando foi subindo a lua
E vivendo meu instante fui te vendo
Da minha vida cada vez mais perto.

A ideia, Túlio, redonda, esboçada
Em azul, em ocre e sépia
Era a tua vida em mim, circunvolvida.

II

E circulando lenta, a ideia, Túlio
Foi se fazendo matéria no meu sangue.
A obsessão do tempo, o sedimento
Palpável, teu rosto sobre a ideia

Foi nascendo

E te sonhei na imensidão da noite
Como os irmãos no sonho se imaginam:
Jungidos, permanentes, necessários
E amantes, se assim se faz preciso.

Tocar em ti. Recriar castidade
Não me sabendo  casta, ser voragem
Ser tua, e conhecendo

Ser extensão do mar na tua viagem.

(...)

IV

E quanto mais te penso, de si mesma
Se encanta a minha ideia. Vertiginosa
E tensa como a flecha, contente de ser viva

Te procura

(...)

A ideia, Túlio, essa ilha escondida
É límpida, encantada, se faz prata
Vive através de ti. Por isso brilha."

Hilda Hilst - "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão"
"Amada vida: a dádiva de ser, de Túlio
A única paisagem, inumerável, única a seus olhos,
É o que pede o poeta à amada vida. Que importa
A Túlio o contemplar os frutos, romãs, ou mesmo
Rosas, se por amor a ele me transmuto, e posso
A um tempo só, ser flor e fruto, e além do mais
Poeta, prodiziosa?
Que importa a Túlio o mergulhar nas águas
Se por amor a ele, maré alta e praia
A cada dia me faço, dadivosa? Que importa ao amado
O deslizar das horas, o passo nos caminhos,
O olhar diante do Tempo, umas duras planícies,
E bulbos e romãs e rosas fenecendo
Se por amor a ele, me faço amor e morte?"

Hilda Hilst - "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão"

Três luas, Dioníso, não te vejo

"Três luas, Dionísio, não te vejo.
 Três luas percorro a Casa, a minha,
E entre o pátio e a figueira
Converso e passeio com meus cães.

E fingindo altivez digo à minha estrela
Essa que é inteira prata, dez mil sóis
Sírius pressaga

Que Ariana pode estar sozinha
Sem Dionísio, sem riqueza ou fama
Porque há dentro dela um sol maior:

Amor que se alimenta de uma chama
Movediça e lunada, mais luzente e alta

Quando tu, Dionísio, não estás."

Hilda Hilst - "Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão"

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Anunciação

O ano virou
Meu coração virou
Os cadáveres se reviraram em seus túmulos
do calor do verão
A lua velha se fez nova
(ao te ver passando)
o ovo rolou dentro do ninho
a ampulheta girou mais uma vez
os discos viraram de dentro das vitrolas
as páginas viraram com o vento
e de dentro do livro saltou um poema de amor.
De amor, e de todas as coisas.

Gente Aberta - Erasmo Carlos

"Eu não quero mais conversa
Com quem não tem amor
Gente certa é gente aberta
Se o amor me chamar
Eu vou

Pode ser muito bonito
O mar, o sol e a flor
Mas se não abrir comigo
Não vou, não vou

As pessoas que caminham
Seja lá pra onde for
É uma gente que é tão minha
Que eu vou, que eu vou

Quem não tem nada com isso
Veio a vida e não amou
Gente certa é gente aberta
Se o amor me chamar
Eu vou, eu vou, eu vou..."

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O coração nos ares

"Túlio viaja. A sós. E o tempo passa.
Túlio nos ares, asa, e amplidão. 
E o poeta morrendo,a sós, na casa,
o coração nos ares.
(...) "

Hilda Hilst

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Por que me pareço alta

se é com meus próprios olhos que faço a medida de mim mesma?

Não, nunca fui das alturas

e não inventaram infernos suficientes para caberem minhas torpezas.

Eles me querem na mesa

estendida para servir de banquete, e me abraçam

 com seus tentáculos múltiplos

Mas nem é sujeira esse desejo de querer-me morta ao mesmo tempo

Como se a fogueira me salvasse, acredito

E já começa a esquentar-me os calcanhares. 

"Ainda em desamor, tempo de amor será.
Seu tempo e contratempo.
Nascendo espesso como um arvoredo
e como tudo que nasce, morrendo
à medida que o tempo desgasta.


Amor, o que renasce."

Hilda Hilst

 

domingo, 2 de fevereiro de 2014

a quem puder endereçar

Se eu errei, meu pai Xangô, que venha a justiça

Se eu errar, pai Oxalá, sabedoria

Se entristecer, Iansã, me faz ventar
e Oxumaré, girar, girar

Se eu chorar, lágrimas de mar, Iemanjá
Oxóssi, solidão e alegria.

Se eu cair, Ogum , meu pai,
se eu cair
na cachoeira
e me afogar
nos braços de Oxum,
na beira da praia
Iemanjá.

Essa transitoriedade
não estar, só estar,
só ser o instante
que me mata
então é ser só morte
a cada instante.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

"E se demoras muito,
esses imensos destinos
Distanciam de ti esse todo amoldável
que se faz em mim"

Hilda Hilst


"Ser nova e derradeira

recompondo

Madrugada e manhã no

Teu instante."

 

Hilda Hilst

"Mas sendo caça,

indo à frente

E perseguindo o caçador."

Hilda Hilst