"Com seus dedos serenos e prudentes
apanhou minhas peças, todos os velhos, jovens, crianças, mulheres; todas as
figuras, as alegres e as tristes, as fortes e as delicadas, as ágeis e as
lerdas,ordenou-as rapidamente em seu tabuleiro para o jogo, no qual logo
começaram a formar grupos, famílias, prontas a jogar e a lutar, criando
amizades e inimizades, edificando todo um mundo em miniatura. Deixou desfilar
diante dos meus olhos aquele mundo liliputiano, um mundo cheio de animação mas
bastante ordenado, deixou que se movesse, jogasse lutasse, fizesse pactos,
desse batalha, trocasse votos, unindo-se, multiplicando-se; era, de fato,
um drama repleto de personagens, vívido e interessante.
Logo o homem desfez o jogo com um gesto
alegre, derrubando todas as peças, juntando-as num monte e voltando a armar um
novo jogo com o mesmo cuidado anterior, como um artista meticuloso, com as
mesmas figuras, mas em grupos diferentes, com outras interdependências e
entrelaçamentos. Este segundo jogo guardava relação com o primeiro: era o mesmo
mundo, formado pelos mesmos materiais, mas nele havia mudado o tom, o tempo, o
motivo e a situação.
E assim foi o sábio arquiteto construindo
com as figuras, que eram fragmentos de mim mesmo, vários jogos, uns após
outros, todos semelhantes, todos participantes de um mesmo mundo, todos
submetidos a um mesmo destino, mas sempre inteiramente novos."
Herman Hesse - O Lobo da Estepe