segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

De dentro do Teatro Mágico



"Com seus dedos serenos e prudentes apanhou minhas peças, todos os velhos, jovens, crianças, mulheres; todas as figuras, as alegres e as tristes, as fortes e as delicadas, as ágeis e as lerdas,ordenou-as rapidamente em seu tabuleiro para o jogo, no qual logo começaram a formar grupos, famílias, prontas a jogar e a lutar, criando amizades e inimizades, edificando todo um mundo em miniatura. Deixou desfilar diante dos meus olhos aquele mundo liliputiano, um mundo cheio de animação mas bastante ordenado, deixou que se movesse, jogasse lutasse, fizesse pactos, desse batalha,  trocasse votos, unindo-se, multiplicando-se; era, de fato, um drama repleto de personagens, vívido e interessante.
Logo o homem desfez o jogo com um gesto alegre, derrubando todas as peças, juntando-as num monte e voltando a armar um novo jogo com o mesmo cuidado anterior, como um artista meticuloso, com as mesmas figuras, mas em grupos diferentes, com outras interdependências e entrelaçamentos. Este segundo jogo guardava relação com o primeiro: era o mesmo mundo, formado pelos mesmos materiais, mas nele havia mudado o tom, o tempo, o motivo e a situação.
E assim foi o sábio arquiteto construindo com as figuras, que eram fragmentos de mim mesmo, vários jogos, uns após outros, todos semelhantes, todos participantes de um mesmo mundo, todos submetidos a um mesmo destino, mas sempre inteiramente novos."

Herman Hesse - O Lobo da Estepe