quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Fernando Pessoa

"[...] Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento. [...]"

Aplauso

Corrida no parque
O menino inválido
aplaude os atletas

Helena Kolody

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Diretamente do bico do corvo


"E a respeito do cadáver de Polinice, que morreu miseravelmente, dizem que se publicou um édito proibindo que qualquer cidadão lhe desse sepultura ou o chorasse; mas ao contrário, que fosse deixado insepulto e sem direito às honras do pranto, que o deixassem como saborosa presa às aves que se decidissem a devorá-lo." 


"Antígona" de Sófocles"


domingo, 27 de janeiro de 2013

Uma vez lhe acusaram de falta de amor, coisa que nem soube responder.
Sentiu raiva por um momento, medo por outro. Em realidade, não sabia nem ao menos como sentir.
Sentiu finalmente a dor oca do vazio talvez. Se culpou, mesmo que a acusação não fizesse sentido.
Foi só o que teve por muito tempo.

Sabia sim, que na verdade a melancolia dela estrangularia todas as teorias formadas sobre ela ( a acusação da falta de amor era a própria falta de amor).

Mas fosse falta de amor ou qualquer outra coisa, não importava mais - eis a virtude do vazio - e nem sabia ao menos que pudera a acusação dele despertar nela este mesmo vazio...

Estava cansada demais para tentar consertar ou consertar-se.
Tudo o que sonhou para sí, não importava.
E ninguém iria ter com sua inconcebível nudez.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Livro do desassossego, trecho 348

"[...] Só o que sonhamos é o que verdadeiramente somos, porque o mais, por estar realizado, pertence ao mundo e a toda gente. Se realizasse algum sonho, teria ciúmes dele, pois me haveria traído com o ter-se deixado realizar. Realizei tudo quanto quis, diz o débil, e é mentira; a verdade é que sonhou profeticamente tudo quanto a vida realizou dele. Nada realizamos. A vida atira-nos como uma pedra, e nós vamos dizendo no ar "Aqui me vou mexendo". [...]"  Fernando Pessoa

PINA



sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Huella de ida y vuelta

"[...]   Ya de ser voy dejando,
          me vuelvo arena,
         como aquel río Salado
         que una vez fuera.

[...]    No sé en qué madrugada
         daré la vuelta,
         por eso ir pa' adelante
         tanto me cuesta."

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

"E dói, e salva"

De dentro do Teatro Mágico



"Com seus dedos serenos e prudentes apanhou minhas peças, todos os velhos, jovens, crianças, mulheres; todas as figuras, as alegres e as tristes, as fortes e as delicadas, as ágeis e as lerdas,ordenou-as rapidamente em seu tabuleiro para o jogo, no qual logo começaram a formar grupos, famílias, prontas a jogar e a lutar, criando amizades e inimizades, edificando todo um mundo em miniatura. Deixou desfilar diante dos meus olhos aquele mundo liliputiano, um mundo cheio de animação mas bastante ordenado, deixou que se movesse, jogasse lutasse, fizesse pactos, desse batalha,  trocasse votos, unindo-se, multiplicando-se; era, de fato, um drama repleto de personagens, vívido e interessante.
Logo o homem desfez o jogo com um gesto alegre, derrubando todas as peças, juntando-as num monte e voltando a armar um novo jogo com o mesmo cuidado anterior, como um artista meticuloso, com as mesmas figuras, mas em grupos diferentes, com outras interdependências e entrelaçamentos. Este segundo jogo guardava relação com o primeiro: era o mesmo mundo, formado pelos mesmos materiais, mas nele havia mudado o tom, o tempo, o motivo e a situação.
E assim foi o sábio arquiteto construindo com as figuras, que eram fragmentos de mim mesmo, vários jogos, uns após outros, todos semelhantes, todos participantes de um mesmo mundo, todos submetidos a um mesmo destino, mas sempre inteiramente novos."

Herman Hesse - O Lobo da Estepe

 "Já não tinha voz, mas teimava em dizer que a tinha. 'O desuso é que me faz mal', acrescentava. Sempre que uma companhia nova chegava da Europa, ia ao empresário e expunha-lhe todas as injustiças da terra e do céu; o empresário cometia mais uma, e ele saía a bradar contra a iniqüidade. Trazia ainda os bigodes dos seus papéis. Quando andava, apesar de velho, parecia cortejar uma princesa de Babilônia. As vezes, cantarolava, sem abrir a boca, algum trecho ainda mais idoso que ele ou tanto - vozes assim abafadas são sempre possíveis. Vinha aqui jantar comigo algumas vezes. Uma noite, depois de muito Chianti, repetiu-me a definição do costume, e como eu lhe dissesse que a vida tanto podia ser uma ópera, como uma viagem de mar ou uma batalha, abanou a cabeça e replicou

--A vida é uma ópera e uma grande ópera."

Machado de Assis - Dom Casmurro

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram. 
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança. 
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Distorcendo García Márquez...

"[..] até que a noite não desabou sobre ele com todo o peso das estrelas, e a selva exalou uma fragrância doce de gardênias e salamandras apodrecidas [...]"

Blacaman, o bom vendedor de milagres

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013