Li e reli a carta dezenas de vezes, tentando encontrar respostas. Não encontrei , é claro, porque nunca soube ser leve, como ela havia me acusado (e isso por causa de um copo de restaurante). Notifiquei-lhe que recentemente me haviam dito que eu só me prendia a formas rígidas.
Me elegia como a um sol, bobagens, era verão, ela não sabia perceber-se também, e eu me enganava quase tão bem quanto ela. Quando pequena decorava Shakespeare, os originais, não as versões resumidas, e eu me perguntava quem em sã conciência não a amaria por ser assim? Mas o amor sempre fora demais, e nós concordávamos com tristeza, um misto do esboço de um sorriso com um requinte de complacência e um olhar estendido sobre qualquer coisa. Demasiado e turbulento demais para mim. Por isso abdiquei. Nekkhama é renúncia na língua pali, esta palavra conheci no outono, e o outono sempre me acompanha, mesmo em prece. Mas nem a renúncia é verdadeiramente autêntica, pois não existem vitórias nem derrotas, e forma é vazio (logo eu que me pretendia tanto a forma).
Assim eu anotava no meu bloco de notas, e ela o fazia do outro lado, com outras aspirações, algumas das quais um nunca teria notícia, pois não me deixava saber, se refugiava num chá e num silêncio, ou numa conversa qualquer. Me ligava sempre que estava de passagem, provavelmente porque se entediava, ou para passar o tempo, ou para não se sentir tão deslocada estando em movimento. As vezes ria, as vezes, com aquele ar de arrogância e desprezo. E mesmo assim, eu adorava ir vê-la, mesmo que não entendesse e sem prever o que aconteceria. Poderia que a realidade dela coubesse dentro das minhas contradições? E também não estou bem certa se não foi ela quem me inventou assim. Se eu não era mais do que a pintura que os olhos dela me fizeram.