sábado, 31 de março de 2012

Nekkhamma

       Li e reli a carta dezenas de vezes, tentando encontrar respostas. Não encontrei , é claro, porque nunca soube ser leve, como ela havia me acusado (e isso por causa de um copo de restaurante). Notifiquei-lhe que recentemente me haviam dito que eu só me prendia a formas rígidas.
     Me elegia como a um sol, bobagens, era verão, ela não sabia perceber-se também, e eu me enganava quase tão bem quanto ela. Quando pequena decorava Shakespeare, os originais, não as versões resumidas, e eu me perguntava quem em sã conciência não a amaria por ser assim? Mas o amor sempre fora demais, e nós concordávamos com tristeza, um misto do esboço de um sorriso com um requinte de complacência e um olhar estendido sobre qualquer coisa. Demasiado e turbulento demais para mim. Por isso abdiquei. Nekkhama é renúncia na língua pali, esta palavra conheci no outono, e o outono sempre me acompanha, mesmo em prece. Mas nem a renúncia é verdadeiramente autêntica, pois não existem vitórias nem derrotas, e forma é vazio (logo eu que me pretendia tanto a forma).
     Assim eu anotava no meu bloco de notas, e ela o fazia do outro lado, com outras aspirações, algumas das quais um nunca teria notícia, pois não me deixava saber, se refugiava num chá e num silêncio, ou numa conversa qualquer. Me ligava sempre que estava de passagem, provavelmente porque se entediava, ou para passar o tempo, ou para não se sentir tão deslocada estando em movimento. As vezes ria, as vezes, com aquele ar de arrogância e desprezo. E mesmo assim, eu adorava ir vê-la, mesmo que não entendesse e sem prever o que aconteceria. Poderia que a realidade dela coubesse dentro das minhas contradições? E também não estou bem certa se não foi ela quem me inventou assim. Se eu não era mais do que a pintura que os olhos dela me fizeram.

sexta-feira, 30 de março de 2012

quinta-feira, 29 de março de 2012

Forma é Vazio

Depois de um tempo, e só com o tempo, você percebe que há mesmo um relação cármica com as coisas, que as ações se repetem indeterminadamente, não importando se foram contruídas, elas não são dissolvidas, não quebram, mesmo que dancem os fenômenos, mesmo que tudo seja impermanente. Há algo envolta que nos puxa, uma espécie de gravidade que não pode ser ignorada, é a nossa marca.E o inferno gelado existe para isso, para que a ação contaminada não nos determine, para que a turbulência do mundo nos ultrapasse, e que mudemos nossa paisagem, porque nada realmente existe tão fora ou tão dentro de nós. Forma é vazio.

terça-feira, 27 de março de 2012

Mudando as paisagens

Mude as paisagens.

Todas as Estações

Tudo acontece tão rápido que vivo a me perder, o verão se queixa disso também, o outono permanece e  do inverno, só tenho lembranças que rasguei para não adoecer. O outono me salvou, para depois me abandonar novamente. A primavera nunca veio e o verão chegou de repente. Mas o verão me visita todas as manhãs, e quer queira quer não, era o verão o mais presente dentre as estações. Fosse invenção ou capricho do verão, eu era sua mais calculada forma de distração, e aceitava. Sempre disse que eu era uma péssima distração, o verão nem discordou. Mas continua a me visitar pelas manhãs. 

segunda-feira, 26 de março de 2012

Prece


"O amor nunca se esquece, é que nem prece. Tomara pois que alguém reze por mim."
Glauco Mattoso

Imagem:Chagall

domingo, 25 de março de 2012

O vermelho

Ela ainda calçava aqueles sapatos um tanto surrados de um vermelho desbotado que eu adorava, e dizia que o fim era o que se determinava como fim. Era só o que poderia me dizer. E me bastava.

Pássaro

Pássaro: Ainda que seu corpo permanecesse ardendo, o amor o destruiría.

Manoel de Barros

sábado, 24 de março de 2012

Nota (le 'eté)


Talvez, nunca ninguém o houvera feito. Não assim, em terceira pessoa, nem tão descaradamente.
Importa a quem e a ao o quê das verdadeiras causas, ou do sólido chão de pretextos? (ou de equívocos, ou delusões, ou ilusões?). Se sentiu tocada pelo ínfimo, (e se rendia por tão pouco, era um velho costume que atribuiu a sí mesma). E o verão era uma longa estação, que por descuido, (e só por descuido) tinha partido. Enquanto eu distraída continuava a acreditar nele.
Mas ainda vemos o mesmo sol pela manhã. 

imagem: Van Gogh

sexta-feira, 23 de março de 2012

Yama - Senhor da Impermanência

Yama

Ás vezes , quando mais atenta, me assalta uma qualidade de contentamento que só a existência de um deus impermanente pode me conceber. Quando me apercebo que a penumbra ilusória da minha mente se extende à altura de meus olhos, ou a dos céus, cobrindo-os ali com fantasias minhas, a quem me dediquei pacientemente, como crimes premeditados, e percebo, que sendo contruído, tudo está condenado, e só um deus que admite estas tais impermanências pode vir a me resgatar...então estou (me sinto) liberta. Falta-me saber se tal liberdade não é outra invenção minha.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Sem vitórias nem derrotas


"Ele nada encontra para tomar ou rejeitar, nem sonha com vitórias ou derrotas, este é o homem sereno"
S. Gautama

O desenho do céu

"O desenho do céu me indetermina"
Manoel de Barros

Anunciação da Primavera


"Na mão direita tem uma roseira,
autenticando eterna primavera"

segunda-feira, 19 de março de 2012

sábado, 17 de março de 2012

Ah se eu pudesse

"Ah se eu pudesse não caía na tua conversa mole outra vez..."

quinta-feira, 15 de março de 2012

quarta-feira, 14 de março de 2012

terça-feira, 13 de março de 2012

Shakyamuni


"Chamo de Arahant ao homem sereno. Indiferente aos desejos, sem um único vínculo, que transpôs a lama sórdida, que não possui filhos, nem bois , nem campos, e nenhum bem material. Ele nada encontra para tomar ou rejeitar. Aquele que nada possui neste mundo, nem se aflige por perder, nem abraça uma opinião. Este é o homem sereno. "

domingo, 11 de março de 2012

Cirrus


De repente, no meio da manhã o céu havia sido invadido por uma densa cabeleira branca de uma velha senhora que a havia deixado cair no vento, e que ao findar do dia tinha sido varrida pelos anjos, porque afinal de contas, o céu era de domínio público.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Discordo

A verdade é que éramos felizes: Só estavamos fazendo demasiada miséria de nós mesmos.

E chega de primavera.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Era uma tolice acreditar que dizer mudaria qualquer coisa.
Nunca conheceria outra estação senão aquela, a primavera desbotada