domingo, 18 de dezembro de 2011

Diálogos do espelho



Alugou um apartamento no centro da cidade. Três quartos, sendo que habitaria apenas um. Mandou tirar toda a mobília:-"Queimem tudo se for necessário", deixando apenas um espelho na parede de um deles. Nele podia ver-se inteiro. 
Se aproximou para roçar a barba e reparar pacientemente nos traços do próprio rosto, e se afastou para ver como se assentavam no corpo todo.
Afastado parecia melhor.
Talvez tivesse que ser assim ("como se morrer fosse doce") ou como um personagem de um capítulo de um livro que nunca termina. 
(Se aproximava e se afastava)- Como se dançasse, e sua imagem também dançava do outro lado do espelho.
E aos poucos iam sumindo, as linhas do rosto, todos os traços, até se transformar numa mancha lisa e uniforme.Nenhum sinal.

Nunca mudara de fato. 

Imagem: Juliette Binoche